Às vezes leio
nos jornais aguados artigos sobre Literatura, os quais o articulista recheia de
termos empolados e pouco inteligíveis que ele pinça a esmo dalguma apostila de rudimentos de sociologia e psicanálise, nos quais respinga a esgarçada
ideologia dos falsos intelectuais. E é de ver como o entendido, num pó-pó-pó
afetado, se contorce no afã de mostrar - inutilmente - que ostenta láureas e
PhD em Letras. O leitor é conduzido a um cipoal de coisas vãs, que o autor do
texto torna mais indevassável com seu linguajar desconexo, de propósito feito
para mostrar falsa erudição e ocultar uma aparatosa superficialidade. Aurélio
diz que isso se chama “vanilóquio”.
Não faz
muito, li coisa assim sobre Guimarães Rosa, onde o entendido se espraia em
banalidades de Lacan e até do dispensável Brecht. Ele estava, explicou, preparando
um livro onde “fazia uma releitura” do Grande Sertão: Veredas. É de rachar.
Incapaz de escrever o próprio livro, o sujeito faz "releitura" de livro alheio. Pura
embromação. Esse tipo, o “releitor”, é como o chupim, ou godero, que invade o
ninho do tico-tico e lhe destrói os ovos, para ali botar os seus próprios – que
o tico-tico vai chocar.
Assim
acontece até com professores universitários de Literatura, que, por exemplo,
comentando Eça de Queiroz, não vão além de generalidades sobre Os Maias e O
Crime do Padre Amaro, para dizê-lo um demolidor da Igreja e da sociedade
portuguesa dos fins do Século XIX – o mais elementar que se pode dizer sobre o
grande escritor: apenas truísmos. Esses são como os que foram a Roma numa
dessas excursões econômicas e voltaram especialistas em Michelangelo só porque,
num relance de cinco minutos, viram (espiaram) o teto da Capela Sistina.
Nunca vi um
desses especialistas falar sobre o Eça observador/analista/comentador/historiador, que
criticou com rara ferocidade a política expansionista/colonialista que
incendiou a Europa recém industrializada e fê-la cair como um bando de lobos faminto sobre as terras levantinas e africanas. Não falam do Eça liberal que combateu com
fervor a brutalidade inglesa na Irlanda e no Afeganistão. Não, eles não falam disso.
Não falam porque só leram, sob a orientação simplista dos seus mestres, dois ou
três romances do genial português e nem se lembram, se algum dia o souberam, que
ele também escreveu as magníficas Cartas de Inglaterra.
Nesse livro
a Inglaterra padece. Santo Deus, como Eça cai de pau na
Inglaterra, agora não com sua ironia fina, mas com o vitríolo da indiganção assomada -
notadamente no célebre, e triste, episódio em que, no governo de
Gladstone, os couraçados do Almirante Seymour despejaram sobre a indefesa
Alexandria “os seus canhões de oitenta toneladas”. Quem quiser saber um pouco
mais da história econômica do Século XIX, que leia as Cartas de
Inglaterra. Eça esteve no Egito e foi testemunha das atrocidades britânicas,
como da falácia do kediva egípcio Ismail-Pachá, das negaças do sultão Abdul-Hamid,
o grão-turco, e dos fracassos do nacionalista bem intencionado Arabi-Pachá.
Em certo
trecho ele escreve que desde a abertura de Suez a Inglaterra sonhava com “um pretexto para assentar na terra do Egipto
o seu pé de ferro, essa enorme pata anglo-saxônica, que uma vez pousada sobre
território alheio, seja um rochedo como Gibraltar, uma ponta de areia como
Aden, uma ilha como Malta, ou todo um mundo com a Índia – nenhuma força humana
pode jamais arredar ou mover.”
História,
teoria política, economia, sociologia, enfim, um panorama geral da Europa do
seu tempo.
Eça descreve com a autoridade de quem viveu a época
em que a demência efervescente surtou Inglaterra, França. Alemanha, Áustria,
Holanda, Bélgica e Rússia, açuladas pelo terror que lhes inspirava Bismarck,
chanceler e “morfineiro” terminal. Conheceu de perto os atropelos da corrida
expansionista. A destruição de Alexandria pelos ingleses é contada em detalhes - e, maior bem, na suculenta linguagem eciana. Um livro fantástico.
Quem ler verá, além do mais, que a
falácia de Hirohito, arrancando sobre Pearl Harbour enquanto o seu Ministro das
Relações Exteriores fingia negociar com Roosevelt, não foi uma novidade no
campo diplomático: as potências européias tinham em andamento a Conferência de
Istambul, justamente para “estudar a questão egípcia”, quando Seymour
estraçalhou a pobre Alexandria. Como se vê, ler é preciso – mas ler coisa que
presta, não porqueiras folhetinescas como O Código da Vinci.
É onde eu
te falo...