Páginas

terça-feira, 6 de novembro de 2012

A PRAGA VERMELHA




            Em culinária há coisas que, mesmo insossas ou passáveis, viram praga. E praga só serve para atazanar, se não for exorcizada. Dou alguns exemplos: o coulis  de vagas frutas vermelhas na sobremesa; o feioso e improvável molho de jabuticaba sobre a ave assada; as barquinhas de folha de endívia recheadas de excessos de alho porro (dito poró), e por aí vai. Essas e outras coisas dispensáveis são hóspedes indefectíveis de 90% dos bares e restaurantes belo-horizontinos (desprezo a tal reforma ortográfica).
            Agora, cá entre nós, praga mesmo é a... txan-txan-txan-txan! ... pimenta biquinho! Ô raio de  frutinha chata, com um rabinho pretencioso, que parece berbigão – este molusco, aliás, delicioso. Mas a tal de biquinho, decididamente, é a própria sensaboria. É tão insípida e tão pouco acrescenta à comida, que chega a enternecer, coitada. Faz vista, sim, vermelhinha e brilhante, passeando entre folhas verdes ou, cheia de presunção, vagando sobre a travessa de feijão-tropeiro, no que é perfeitamente dispensável, se não for importuna. Depois, a danada tem mais sementes que qualquer melancia (das grandes). Aquilo, quando você morde, é uma explosão, arenosa e sem pudor, de sementes: mastigá-las dá um “irk” arrepiante; degluti-las é um sofrimento.
            No entanto, se apresenta nas mesas mineiras como a “cigarra de maior talento” - lembram-se de Olegário Mariano, poeta, constituinte de 1946 e diplomata? Pois é dele a expressão, que calha bem: a biquinho é tão enfadonha quanto os cantares da cigarra... Há um programa em Belo Horizonte cuja proposta era enaltecer as guloseimas de buteco” - programa que desgarrou da idéia original: as gostosuras ligeiras do tira-gosto viraram pantagruélicos almoços, jantares e ceias, para glutões. Haja sal-de-fruta! Essa comezaina, servida em forma de montanha, enche uma gamela - das bitelas. 
Esse evento é o Reino da Glória da tal pimenta. Nele, qualquer carne, cereal, caldo, legume ou folhagem, chega à mesa coroado com um enxame dela, como se fosse um vasto formigueiro - de formigas vermelhas e bundudas; já as vi se metendo à besta (é "munta" audácia) até em sobremesas...
Mas é a compulsão, vulgar e obstinada, do lugar comum que o brasileiro adora. Qualquer coisa nova se torna indiscriminadamente apropriável e usada até enojar. A biquinho surgiu, tadinha, sem vaidade e sem orgulho, sabendo-se pífia e mocoronga; mas era uma novidade para o grande público. Deu no que deu. Virou andaço. Mais que isso, epidemia.

É onde eu te falo...      

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Caso queira, faça contato direto por email: rubens2instancia@hotmail.com