Em culinária
há coisas que, mesmo insossas ou passáveis, viram praga. E praga só serve
para atazanar, se não for exorcizada. Dou alguns exemplos: o coulis de vagas frutas vermelhas na
sobremesa; o feioso e improvável molho de jabuticaba sobre a ave assada; as barquinhas
de folha de endívia recheadas de excessos de alho porro (dito poró), e por aí
vai. Essas e outras coisas dispensáveis são hóspedes indefectíveis de 90% dos bares e
restaurantes belo-horizontinos (desprezo a tal reforma ortográfica).
Agora, cá
entre nós, praga mesmo é a... txan-txan-txan-txan!
... pimenta biquinho! Ô raio de
frutinha chata, com um rabinho pretencioso, que parece berbigão – este molusco,
aliás, delicioso. Mas a tal de biquinho, decididamente, é a própria sensaboria.
É tão insípida e tão pouco acrescenta à comida, que chega a enternecer,
coitada. Faz vista, sim, vermelhinha e brilhante, passeando entre folhas verdes
ou, cheia de presunção, vagando sobre a travessa de feijão-tropeiro, no que é perfeitamente
dispensável, se não for importuna. Depois, a danada tem mais sementes
que qualquer melancia (das grandes). Aquilo, quando você morde, é uma explosão,
arenosa e sem pudor, de sementes: mastigá-las dá um “irk” arrepiante;
degluti-las é um sofrimento.
No entanto,
se apresenta nas mesas mineiras como a “cigarra de maior talento” - lembram-se
de Olegário Mariano, poeta, constituinte de 1946 e diplomata? Pois é dele a
expressão, que calha bem: a biquinho é tão enfadonha quanto os
cantares da cigarra... Há um programa em Belo Horizonte cuja proposta era
enaltecer as guloseimas de buteco” - programa que desgarrou da idéia original: as
gostosuras ligeiras do tira-gosto viraram pantagruélicos almoços, jantares e
ceias, para glutões. Haja sal-de-fruta! Essa comezaina, servida em forma de montanha,
enche uma gamela - das bitelas.
Esse evento é o Reino da Glória da
tal pimenta. Nele, qualquer carne, cereal, caldo, legume ou folhagem, chega à
mesa coroado com um enxame dela, como se fosse um vasto formigueiro - de
formigas vermelhas e bundudas; já as vi se metendo à besta (é "munta" audácia) até
em sobremesas...
Mas é a compulsão, vulgar e obstinada,
do lugar comum que o brasileiro adora. Qualquer coisa nova se torna indiscriminadamente
apropriável e usada até enojar. A biquinho surgiu, tadinha, sem vaidade e
sem orgulho, sabendo-se pífia e mocoronga; mas era uma novidade para o grande público.
Deu no que deu. Virou andaço. Mais que isso, epidemia.
É onde eu te falo...
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