Tirante os
fanáticos religiosos, ninguém mais que eu gosta do Velho Testamento. Aliás, os
esgoeladores de milagres gostam mesmo é do Novo, para mim uma sensaboria. Mas
leio as Escrituras Velhas sem uma gota sequer de religiosidade; faço-o como
diversão cultural.
Deliberadamente
escrito como epopéia de grandiloqüente de movimentos épicos, o Pentateuco, como, de resto, todo o Antigo
Testamento tem sintoma de rapsódia. Neles transparece sem remédio a digital mitológica, o
sobrenatural primitivo que encharcava o seu redator. Melhor dizendo, redatores.
Segundo a opinio doctorum
(*) - isenta de teologias e outros
palpites - dados os gritantes anacronismos históricos que encerram, as claras
diferenças de linguagem e estilo, mesmo os detalhes que apontam morfologias
gramaticais diversas de um livro para outro e até no mesmo livro, é
ingenuidade, ou má fé, dizer que os Livros de Moisés são obra de um único
autor. Na verdade, resplandece que esses livros são obra coletiva, escrita por
muitas mãos, em diferentes épocas. O que, absolutamente, não lhes tira o
encanto.
Pena é que
os Jerônimos, Irineus, Theodósios, Dâmasos e outros enxeridos houvessem raspado
ou inutilizados muitos manuscritos da época, aqueles que não lhes endossavam as
doutrinas obsediantes; entre eles um ror de páginas que esses primeiros padres,
num rasgo de atrevimento criminoso, atiraram ao fogo por serem... “apócrifos”. Como se os que preservaram pudessem mesmo
ostentar selo de excelência DOC ou ISO. Em nome da fé, esses desocupados arrogantes
sumiram com boa parte da resenha mitológica – fraudando a Humanidade que, eles decidiram
por sua alta recreação, não merecia por os olhos em textos heréticos...
Mas nem
tudo foi apagado ou alterado pelos tais Doutores da Igreja Ancestral. Ficaram
coisas das quais eles não se deram conta, por descuido ou por ignorância. Dentre
tantas, gosto de apontar uma passagem deliciosa. Ei-la, adiante.
Como redator da sessão
legislativa que daria aos hebreus a Consolidação das Leis de Yahweh, Moisés
subiu para os morros e lá ficou. Quando desceu, trazia uma coletânea de
decreto-leis, dentre eles o Levítico – saboroso corpo de prescrições de ordem
social, legal, econômica, filosófica, sociológica, política, sanitária, e
coisas mais. Ler e reler o Levítico é garantia de ótimo divertimento. Por exemplo:
Yahweh era um gourmet. Aliás, atentos à quantidade de
bichos que os hebreus lhe assavam nos propiciatórios sagrados (dos quais se
desprendiam “cheiros suavíssimos”), alguns preferem qualificá-lo como gourmand – que leva mais em conta o volume
de comida. Fosse como fosse, Yahweh legislava sobre culinária; também. Assim
foi que ele separou, na fauna da época, os bichos que os judeus podiam comer;
e, claro, os fora dessa destinação, por serem impuros. Veja-se em Levítico XI -13
e 19 a relação desses últimos, dentre
eles certas aves abomináveis (sic) – como o... morcego !!!
Homessa! Então, morcego é ave, na
subida opinião de Yahweh ! A comunidade Científica discorda de tão formosa
qualificação, afirmando – em claro ato de blasfêmia – que esse bicho tão
injustamente associado às Trevas, é, como todos os da Ordem Chiroptera, mamífero.
Pois é. Dizem que a Bíblia é a pura palavra de Deus. Então, se Yahweh falou que
morcego é ave, ave ele será, desde a origem e para sempre. Se palavra de rei não
volta atrás, palavra de Deus não se discute. Bom, de qualquer modo, morcego
assado não há de ser lá grande coisa e, portanto, Yahweh fez muito bem ao torná-lo
proscrito da culinária hebraica.
Gosto muito
dos morcegos – não daqueles de Brasília, que chupam sangue. Assim, e como estou
fazendo um sério estudo sobre as deficiências de polinização da flora nacional, minha meta agora é
achar... ovos de morcego. Para chocar, claro.
(*) Opinião dos doutos
É onde eu
te falo...
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