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quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

E A BÍBLIA TINHA RAZÃO II



            Tirante os fanáticos religiosos, ninguém mais que eu gosta do Velho Testamento. Aliás, os esgoeladores de milagres gostam mesmo é do Novo, para mim uma sensaboria. Mas leio as Escrituras Velhas sem uma gota sequer de religiosidade; faço-o como diversão cultural.
            Deliberadamente escrito como epopéia de grandiloqüente de movimentos épicos, o Pentateuco, como, de resto, todo o Antigo
Testamento tem sintoma de rapsódia. Neles transparece sem remédio a digital mitológica, o sobrenatural primitivo que encharcava o seu redator. Melhor dizendo, redatores. Segundo a  opinio doctorum  (*)  - isenta de teologias e outros palpites - dados os gritantes anacronismos históricos que encerram, as claras diferenças de linguagem e estilo, mesmo os detalhes que apontam morfologias gramaticais diversas de um livro para outro e até no mesmo livro, é ingenuidade, ou má fé, dizer que os Livros de Moisés são obra de um único autor. Na verdade, resplandece que esses livros são obra coletiva, escrita por muitas mãos, em diferentes épocas. O que, absolutamente, não lhes tira o encanto.
            Pena é que os Jerônimos, Irineus, Theodósios, Dâmasos e outros enxeridos houvessem raspado ou inutilizados muitos manuscritos da época, aqueles que não lhes endossavam as doutrinas obsediantes; entre eles um ror de páginas que esses primeiros padres, num rasgo de atrevimento criminoso, atiraram ao fogo por serem... “apócrifos”. Como se os que preservaram  pudessem mesmo ostentar selo de excelência DOC  ou ISO.  Em nome da fé, esses desocupados arrogantes sumiram com boa parte da resenha mitológica – fraudando a Humanidade que, eles decidiram por sua alta recreação, não merecia por os olhos em textos heréticos...
            Mas nem tudo foi apagado ou alterado pelos tais Doutores da Igreja Ancestral. Ficaram coisas das quais eles não se deram conta, por descuido ou por ignorância. Dentre tantas, gosto de apontar uma passagem deliciosa. Ei-la, adiante.
Como redator da sessão legislativa que daria aos hebreus a Consolidação das Leis de Yahweh, Moisés subiu para os morros e lá ficou. Quando desceu, trazia uma coletânea de decreto-leis, dentre eles o Levítico – saboroso corpo de prescrições de ordem social, legal, econômica, filosófica, sociológica, política, sanitária, e coisas mais. Ler e reler o Levítico é garantia de ótimo divertimento. Por exemplo:    
Yahweh era um gourmet. Aliás, atentos à quantidade de bichos que os hebreus lhe assavam nos propiciatórios sagrados (dos quais se desprendiam “cheiros suavíssimos”), alguns preferem qualificá-lo como gourmand – que leva mais em conta o volume de comida. Fosse como fosse, Yahweh legislava sobre culinária; também. Assim foi que ele separou, na fauna da época, os bichos que os judeus podiam comer; e, claro, os fora dessa destinação, por serem impuros. Veja-se em Levítico XI -13 e 19  a relação desses últimos, dentre eles certas aves abomináveis (sic)  – como o... morcego !!!
Homessa! Então, morcego é ave, na subida opinião de Yahweh ! A comunidade Científica discorda de tão formosa qualificação, afirmando – em claro ato de blasfêmia – que esse bicho tão injustamente associado às Trevas, é, como todos os da Ordem Chiroptera, mamífero. Pois é. Dizem que a Bíblia é a pura palavra de Deus. Então, se Yahweh falou que morcego é ave, ave ele será, desde a origem e para sempre. Se palavra de rei não volta atrás, palavra de Deus não se discute. Bom, de qualquer modo, morcego assado não há de ser lá grande coisa e, portanto, Yahweh fez muito bem ao torná-lo proscrito da culinária hebraica.
            Gosto muito dos morcegos – não daqueles de Brasília, que chupam sangue. Assim, e como estou fazendo um sério estudo sobre as deficiências de polinização da flora nacional, minha meta agora é achar... ovos de morcego. Para chocar, claro.

(*) Opinião dos doutos           
            
          É onde eu te falo...  

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