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sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

OUTRA FACE DO PORTUGUÊS GENIAL



            Às vezes leio nos jornais aguados artigos sobre Literatura, os quais o articulista recheia de termos empolados e pouco inteligíveis que ele pinça a esmo dalguma apostila de rudimentos de sociologia e psicanálise, nos quais respinga a esgarçada ideologia dos falsos intelectuais. E é de ver como o entendido, num pó-pó-pó afetado, se contorce no afã de mostrar - inutilmente - que ostenta láureas e PhD em Letras. O leitor é conduzido a um cipoal de coisas vãs, que o autor do texto torna mais indevassável com seu linguajar desconexo, de propósito feito para mostrar falsa erudição e ocultar uma aparatosa superficialidade. Aurélio diz que isso se chama “vanilóquio”.
            Não faz muito, li coisa assim sobre Guimarães Rosa, onde o entendido  se espraia em banalidades de Lacan e até do dispensável Brecht. Ele estava, explicou, preparando um livro onde “fazia uma releitura” do Grande Sertão: Veredas. É de rachar. Incapaz de escrever o próprio livro, o sujeito faz "releitura" de livro alheio. Pura embromação. Esse tipo, o “releitor”, é como o chupim, ou godero, que invade o ninho do tico-tico e lhe destrói os ovos, para ali botar os seus próprios – que o tico-tico vai chocar.
            Assim acontece até com professores universitários de Literatura, que, por exemplo, comentando Eça de Queiroz, não vão além de generalidades sobre Os Maias  e O Crime do Padre Amaro, para dizê-lo um demolidor da Igreja e da sociedade portuguesa dos fins do Século XIX – o mais elementar que se pode dizer sobre o grande escritor: apenas truísmos. Esses são como os que foram a Roma numa dessas excursões econômicas e voltaram especialistas em Michelangelo só porque, num relance de cinco minutos, viram (espiaram) o teto da Capela Sistina.
            Nunca vi um desses especialistas falar sobre o Eça observador/analista/comentador/historiador, que criticou com rara ferocidade a política expansionista/colonialista que incendiou a Europa recém industrializada e fê-la cair como um bando de lobos faminto sobre as terras levantinas e africanas. Não falam do Eça liberal que combateu com fervor a brutalidade inglesa na Irlanda e no Afeganistão. Não, eles não falam disso. Não falam porque só leram, sob a orientação simplista dos seus mestres, dois ou três romances do genial português e nem se lembram, se algum dia o souberam, que ele também escreveu as magníficas Cartas de Inglaterra.  
            Nesse livro a Inglaterra padece. Santo Deus, como Eça cai de pau na Inglaterra, agora não com sua ironia fina, mas com o vitríolo da indiganção assomada  -  notadamente no célebre, e triste, episódio em que, no governo de Gladstone, os couraçados do Almirante Seymour despejaram sobre a indefesa Alexandria “os seus canhões de oitenta toneladas”. Quem quiser saber um pouco mais da história econômica do Século XIX, que leia as Cartas de Inglaterra. Eça esteve no Egito e foi testemunha das atrocidades britânicas, como da falácia do kediva egípcio Ismail-Pachá, das negaças do sultão Abdul-Hamid, o grão-turco, e dos fracassos do nacionalista bem intencionado Arabi-Pachá.
            Em certo trecho ele escreve que desde a abertura de Suez a Inglaterra sonhava com “um pretexto para assentar na terra do Egipto o seu pé de ferro, essa enorme pata anglo-saxônica, que uma vez pousada sobre território alheio, seja um rochedo como Gibraltar, uma ponta de areia como Aden, uma ilha como Malta, ou todo um mundo com a Índia – nenhuma força humana pode jamais arredar ou mover.”   
            História, teoria política, economia, sociologia, enfim, um panorama geral da Europa do seu tempo.
Eça descreve com a autoridade de quem viveu a época em que a demência efervescente surtou Inglaterra, França. Alemanha, Áustria, Holanda, Bélgica e Rússia, açuladas pelo terror que lhes inspirava Bismarck, chanceler e “morfineiro” terminal. Conheceu de perto os atropelos da corrida expansionista. A destruição de Alexandria pelos ingleses é contada em detalhes  - e, maior bem, na suculenta linguagem eciana. Um livro fantástico.
Quem ler verá, além do mais, que a falácia de Hirohito, arrancando sobre Pearl Harbour enquanto o seu Ministro das Relações Exteriores fingia negociar com Roosevelt, não foi uma novidade no campo diplomático: as potências européias tinham em andamento a Conferência de Istambul, justamente para “estudar a questão egípcia”, quando Seymour estraçalhou a pobre Alexandria. Como se vê, ler é preciso – mas ler coisa que presta, não porqueiras folhetinescas como O Código da Vinci.  

            É onde eu te falo...
                 

2 comentários:

  1. Rachou o cavalo e rachou o cavaleiro meu querido sogro.
    A propósito, posso saber em off quem é o cavaleiro?

    Etelane

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  2. Etelane, ele é imaginário; é um antepassado vago do herói do livro, Gonçalo Ramires, que sofre do complexo de não ser valente como os seus antepassados do Século X. Ele imagina que seus ancestrais, numa guerra, davam golpes assim. Abs. Rubens

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