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terça-feira, 17 de abril de 2012

AGUACEIRO INDIANO EM MINAS

            
              Depois dos aguaceiros de veranico chegam “as águas de março fechando o verão”, como disse Jobim (o maestro, não o outro). Chuvas são muito evocativas, inclusive de livros e filmes.
As Chuvas de Ranchipur, do americano Louis Bromfield, li-o ainda no ginásio; belo
romance de 1937. Quase vinte anos depois foi adaptado para o cinema, que ainda não contraíra a diarréia compulsiva dos malditos “efeitos especiais” -  tecnologia avançada  que  Hollywood usa como estupefaciente de um público abobalhado e pouco exigente. No filme, esses “efeitos” (que não são uma coisa nova, como muitos pensam) encantam; principalmente quando o aguaceiro afoga a cidade, leva casas no roldão e espatifa gentes, bichos e vegetação.  
            Lana Turner, milionária americana (obviamente) e Michael Rennie, lorde inglês decadente, vivem um casamento falido. Lana é fútil, egoísta e passa a vida gastando dólares enquanto planta chifres descomunais na cabeça do lorde. Em Ranchipur, onde o casal pretende comprar um cavalo (!), ela se apaixona holywoodianamente pelo médico hindu Richard Burton, mané que lhe corresponde ao amor, extasiado com a louraça que lhe dá o maior mole. Ao fim, quando Ranchipur é um monte de escombros, o lorde quer partir; a milionária quer ficar - com o médico. Mas a Maarâni, mulher forte que governa a região, expulsa Lana, fingindo detestá-la; sabe que semelhante idílio é um erro, dado o abismo de diferenças pessoais e culturais que se antepõem entre a milionária e o médico: a americana acabaria regressando ao seu mundo e o hindu, mané chupando dedo, viraria um farrapo e desistiria da clínica médica, mais que nunca necessária aos flagelados locais. Aí, tchan-tchan-tchan... The end.     
            Ranchipur é terra mineira. Águas torrenciais e doidos vendavais (que inspirado estou hoje!) deixaram o Estado em petição de miséria. Cidades inteiras viraram bagaços, esperando as verbas de Brasília que depois de cada desastre anual são prometidas e não chegam. Mas entendo esse nenhenhém: Pernambuco (terra do então ministrinho-das-chuvas) é lugar desacostumado das Chuvas de Ranchipur, de modo que ele, encarregado de espalhar as verbas de socorro, ficou meio perdido e errou nas contas, deixando de lado os outros estados. É natural...
            O que não é natural, acho, é a D. Dilma não ter controle sobre a espalhação das verbas de contingência, logo ela, tão expedita e cuidadosa. Menos natural ainda (e estarrecedor) foi a preservação afagante do seu ministro espalhador de verbas que, não sabendo conjugar o verbo espalhar, conjugou o verbo, antônimo, concentrar.
            Há pontos de convergência entre as chuvas mineras e as de Ranchipur; como há divergências. No filme, a Maarâni protege o Mané e o povo flagelado; Lana Turner, gastadeira desvairada, é expulsa. Na vida real, a Maarâni protege a gastadeira Lana Turner, ao invés de expulsá-la e nem liga para o mané flagelado. Pois é. Nem sempre a arte copia a vida...  

É onde eu te falo...