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sábado, 22 de setembro de 2012

OLHA O PERIGO AÍ, GEEENTE !



            Nos horizontes da Nação já se espalham rabiscos do que podem ser nuvens negras de perigo. Sapadores político-ideológicos – tomara que eu esteja enganado – estão armando artefatos explosivos de alto poder nas bases do Estado de Direito, que repousa na harmonia entre os três poderes constitucionais da República. A decisão judicial, até agora tida (como a voz do Oráculo de Delfos) indiscutível e de obediência irrestrita, pode estar com os dias contados; há sinais de que já se lavra a terra para a semeadura da chamada “desobediência civil” arrimada no desprestígio do Poder Judiciário. 
            Podem-se fazer restrições a este Poder, eventualmente; mas é ele, justamente, o garante da paz social. Desonrá-lo com o ridículo e o descaso é o maior desastre que pode sofrer qualquer democracia. É a implantação deliberada do caos, em cujas retortas fervem os micróbios das ditaduras mais fedorentas.
            A expressão “Roma locuta causa finita” - consta que de Agostinho, o teólogo - reflete à perfeição o postulado político determinante do acatamento e do respeito devidos às sentenças judiciais. Em linguagem coloquial, “Roma falou, tá falado”. Não se discute, não se esboçam revides; simplesmente se curva a espinhela, apesar de qualquer inconformação, que há de ser muda. 
            O julgamento da antológica Ação Penal n. 470 pela Corte Suprema tem provocado comentários. Muitos, de aplauso; uns poucos, de inescondível inconformismo raivoso. Não se quer que suas decisões sejam agradáveis, mas que sejam respeitadas “erga omnes” . Nos tempos antecedentes ao julgamento, o que se viu foram insidiosas tentativas de desqualificar as denúncias da Procuradoria Geral da República, ao argumento, ingênuo ou venenoso, de que o libelo não passava de uma brincadeira de mau gosto, urdida pelas oposições e pela mídia reacionária. Não por outra razão um dos réus da dita ação penal tentou, felizmente sem êxito, implantar no Brasil um tal  “controle social da mídia” - eufemismo descarado para tornar palatável a odiosa censura, tão combatida por ele próprio relativamente ao Governo Militar.
            À medida que o Supremo Tribunal avançava nos passos do julgamento, ouviam-se murmurações inconformadas, que agora descambam para notas em jornais. Teve até um mequetrefe com cara de encantador de serpentes para dizer que as decisões da Corte eram falaciosas. Isso por enquanto. Se e quando a decisão final do STF desagradar mesmo às falanges comprometidas, é lícito esperar a lapidação moral dos Ministros e a conclamação aberta ao motim. O terreno estará propício ao seqüestro das Instituições Democráticas, com o desterro da Constituição da República e a entronização da “lei do cão”. Se chegarmos a esse desatino, espera-se que os guardiões da democracia ergam “da Justiça a clava forte”.
            O Poder, em última análise, é um veneno; o único e eficaz antídoto é a voz do Judiciário. Por isso os Tribunais e o Parlamento não podem se transformar num ajuntamento de qualquer modalidade de... “alinhados” : o resultado será o mesmo dos chamados “governos teocráticos”, aqueles em que a “voz de deus” está acima de tudo. Entenda-se: aí, voz de deus = querença voluntariosa do respectivo... “representante”. Homessa!   

            É onde eu te falo...

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

COMPLICAÇÕES RELIGIOSAS



            Justamente quando o Islã se incendeia contra as representações diplomáticas americanas, vem a lume um fragmento de papiro escrito lá pelo Século IV D.C., cujo texto sugere que Jesus teve uma ligação conjugal, ou similar - com mulher, cujo nome não se sabe. A sugestão não é nova, como é notório. Historiadores e escritores vêm, não de hoje, insinuando - às vezes afirmando – esse envolvimento amoroso. Saramago, o do Ribatejo, foi considerado anátema por falar disso.
            Estes considerandos me conduzem a duas abordagens.
            Primeira - Guerras religiosas são coisa antiga. A bem dizer, começaram quando o homem da caverna teve a primeira concepção de divindade - em busca de proteção, dado o pavor que os fenômenos naturais lhe inspiravam. Deuses disso e daquilo viraram moda e cada aglomerado tribal, tratou de entronizar os seus. O Planeta se encheu de deuses. Como era de esperar, surgiram as rixas: - Os nossos deuses são superiores aos seus, ô mané! Pronto. Daí para as escaramuças foi um pulo. Esse clima, veladamente ou nas vias de fato, permanece até hoje. Cada adepto diz que o seu deus é o maior e verdadeiro”. Existem muitos deuses e cada um deles é “o verdadeiro” – sugerindo que os demais são “genéricos”, sem selo de pureza e certificado ISO.
            Nesse milenar confronto divinal, guerras em profusão, a grosso e a retalho. Para não ir muito longe no tempo, basta citar a França do Século XVI, onde, no curto espaço de 36 anos, foram travadas nada menos de oito guerras religiosas ! As famosas Cruzadas, maquiadas como guerras pela supremacia de um deus, não entram nisso, a meu ver; as Cruzadas foram apenas invasões predatórias de feição colonialista, financiadas por reis e papas na bancarrota, para quem a ordem era saquear os reinos ismaelitas. Pirataria pura e simples, a pretexto de resgatar os locais sagrados da Terra Santa das “mãos infiéis” e levar a fé cristã aos gentios do Oriente Médio. Na verdade, tirante uma ou outra guerra de fundo efetivamente religioso, as demais tinham – e ainda hoje – o DNA político/econômico: política e economia são faces da mesma moeda.
Agora um débil mental egípcio/americano realiza um filme que achincalha o Profeta Maomé, dizendo-o ladrão, pedófilo, canalha, puteiro e outras qualificações nada amáveis. A essa provocação injusta e esse grande desrespeito, o povo islamita reage violentamente, por verdadeira causa religiosa, mas... não passam sem nota os movimentos insufladores dos dedinhos políticos nesses rebentões. É lícito prever que também a França terá os mesmos desgostos, já que outro débil mental, agora gaulês, agride o islamismo em caricatura onde o Profeta exibe glúteos e genitália. Será um deliberado andaço contra o Islã? Será que por baixo desse angu tem carne seca e alguém está colhendo os trunfos desse desatino? Não se sabe. Mas que está esquisito, isso está.
Não gosto quando falam mal de Alá e seu Profeta. Livre-pensador irredutível, não sigo religião alguma. Mas, se tivesse que adotar uma, eu penderia facilmente para a dos muçulmanos. Um detalhe me levou, sempre, a ver Alá como o deus mais inteligente, realista e clemente dentre tantos que eventualmente existam. Costumado às divindades judaico-cristãs, atinei que Alá, como oram os muçulmanos, é verdadeiramente compassivo e misericordioso, ao contrário dos deuses ocidentais. Estes, se você não lhes segue as prescrições, matam-no de pancada ou o destinam ao fogo eterno, sem dirimentes e atenuantes. Alá, não. Sabedor de que criou seres imperfeitos, não leva as coisas a ferro e fogo. Então, ele diz que você não deve pecar; mas, quando você peca, “Alá sabe o que vai no seu coração” – assim está escrito no Corão. Haverá divindade mais carinhosa, mais paternal e menos apegada ao castigo? Positivamente, Alá é um grande Deus!
            Segunda - Mais do que as idéias de José Saramago, o tal fragmento de papiro do Século IV vai dar pano pra manga. As cúpulas cristãs, a católica principalmente, e os respectivas seguidores vão entrar em convulsão. Onde já se viu um Jesus casado? Ou amigado, “ficante”, o que seja? Nem pensar. É blasfêmia em dose superlativa.
            No entanto, cá na minha posição de gentio impenitente, eu pergunto: por que razão Jesus tem que ser celibatário? Ninguém responde satisfatoriamente; apenas rodeiam em torno de uma tradição e de uma dedicação full time à pregação evangélica. Pois é. Depois, quando historiadores e quejandos comentam que Jesus, depois da famosa discussão com os doutores da lei, no Templo, foi viver junto à comunidade essênia, a intelligentzia  cristã esgoela contestações... Por quê? Consta que os essênios, se não eram boiolas, pelo menos tinham uma... certa alergia... às mulheres. Todo bem, cada um se entende a seu modo. Mas, também já li que os essênios eram até maneiros e confiáveis. Tudo são presunções, à falta de comprovação objetiva. Mas uma coisa é certa: não existe, e não existe mesmo, nenhuma comprovação documental de que Jesus tenha sido solteiro!

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quinta-feira, 13 de setembro de 2012

O MONOTEÍSMO DE AMENÓFIS IV



            Na noite anterior o faraó Amenotep, por alcunha Amenófis IV, da 18ª Dinastia, comera três gansos recheados com figos, três bolos de mel e duas canadas de vinho. E na dispepsia feroz que lhe adveio, varou a madrugada entre cochilos intermitentes e pesadelos. Pela alvorada, a linda Nefertiti, sua esposa, convocou os médicos da corte; deram ao rei um composto de sais espumantes, graças ao que conseguiu dormir, depois de vomitar até a alma. No melhor desse sono tardio acordou com os cânticos enfadonhos que fluíam dos ofícios religiosos. Furioso, decidiu-se: era preciso cortar as cristas daqueles sacerdotes gordos e venais que, além de interferir dos negócios do reino e abocanhar boa parte das rendas governamentais, nada faziam além de esgoelar intermináveis litanias e devastar a ucharia do palácio.
Era uma tarefa de grande carregação. Sem o apoio do Exército, estava de mãos e pés atados. Os sacerdotes haviam se encravado na administração, apoiados por Horemheb, o general  a quem eles subvencionavam com tenças  de alto valor. Além disso, o serviço de inteligência do trono avisava que Horemheb costurava um golpe de estado para capturar a coroa dupla dos Dois Egitos. O faraó gastou dias meditando, pesando estratégias, sem êxito; era muito limitado. Por fim, Nefertiti, lhe deu a solução. O faraó tinha um aliado: o povo, cansado das exigências e da exploração sacerdotal. Era dia de reverenciar a deusa Muth, de incensar Athor, de afagar Seth e outros deuses? Cabia ao povo custear as louvações, com dinheiro ou gêneros. E isso num reino onde a malha divinal era imensa acabava por espoliar os egípcios. Amenófis IV era um vagotônico, mas Nefertiti, além de bela, era sábia. Sugeriu ao marido cassar os direitos de quantos deuses e deusas atazanavam o Egito, e entronizar Aton, o deus único idealizado por Amenófis III, o faraó anterior.
Sim, senhor. Um só deus e chega! Como tinham os hebreus, povo inteligente. Afinal, um grande número de deuses é menos garantia de ajuda e salvação do que uma trabalheira infernal. Adorar o deus disso e o deus daquilo, sobre tomar um tempo enorme e aproveitável no trabalho útil, leva o adorador à fadiga religiosa, porque “adorar” implica enaltecer, cantar louvores, acender fogos votivos e outros expedientes - que manifestem convenientemente a devoção do adorador e contentem satisfatoriamente a divindade adorada. Demais, deuses são seres entojados e cheios de melindres, temperamentais que se dão aos assomos de ira. Assim, se o temor dos rebentões raivosos de um só deus já acabrunha o devoto, que se dirá do pavor das alterações de humor de uma enfiada de deuses, cada qual com suas idiossincrasias? O povo iria gostar da medida, sem dúvida.
O faraó adotou o plano da esposa. Mandou os arautos reais apregoar ruidosamente a demissão dos sacerdotes, sem aviso prévio – primeira demissão em massa da História. E como os deuses reinantes não teriam quem os paparicasse, também eles eram demissíveis; Aton, o único, assumiria sozinho a função de proteger o Egito e ele, o faraó, seria o único sacerdote. O povo, é claro, entrou em delírio e festejou largamente. Horemheb se acovardou. Para melhor situar a nova ordem divinal, Amenófis mudou seu nome para Akhenaton, “aquele que brilha para Aton”. Fechou o templo de Karnak e fundou, mais ao sul, a cidade de Akhetaton, ou “horizonte de Aton”, para onde transferiu a sede do poder político.
Teria sido um trunfo político, não fosse a enfermidade que azedou o cérebro de Akhenaton, ex-Amenófis IV. Em sintonia fina com Aton, o faraó entrou em delírio religioso; passava o dia compondo madrigais em homenagem ao seu deus, a quem, à noite, endereçava repicados cantares. Nem mesmo se emocionava com as graças morenas da adorável Nefertiti, a quem sequer dedicava um ligeiro amasso vez ou outra. Tudo era Aton, Aton e mais Aton. Quando seu fanatismo chegou à exacerbação patológica, Akhenaton pôs de lado as suas responsabilidades de rei e deixou a Administração à deriva, o reino às portas da fome. Os Dois Egitos murcharam, sob o olhar complacente de Aton, o solitário. Horemheb e os sacerdotes aproveitaram a maré. Acusaram o faraó de heresia e o destituíram. Mas o general não ganhou a coroa. Mais ávidos que nunca, os sacerdotes manobraram o povo - no que eram peritos - e fizeram subir ao trono o adolescente feioso (diz-se que meio gay) Tuthankamon.
Aton, obviamente foi “pro brejo”. Nefertiti, muitos séculos depois sequestrada pelos generais do III Reich, se refugiou no Museu de Berlin, onde está até hoje; consta que, recusando sauerkraut  e shnapps, alimenta-se do luar e bebe as aragens do alvorecer.  Fim do volátil monoteísmo egípcio. Tebas se recuperou como sede do Poder. A cidade de Akhetaton foi abandonada; ainda lhe restam os vestígios no lugar hoje chamado Tell el-Amarna. Pois é. Como sabem os cientistas políticos (mas não confessam) religião e poder andam de mãos dadas.

            É onde eu te falo...       

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

CULINÁRIAS... TESE/ANTÍTESE




Agora a coqueluche se chama cozinha européia/oriental com ingredientes brasileiros. Depois que as mesas nacionais se saturaram dos molhos carnavalescos com redução de manga e mingau de frutas vermelhas (indefectíveis), a próxima saturação deverá levar ao ostracismo taiobas e ora-pro-nobis, pupunha e açaí. A corrida dos Chefs é pelo “oscar” de originalidade, mais ou menos como nos bailes do Municipal, onde os holofotes choviam sobre Clovis Bornay e correlatos.
            Há criações geniais, sem dúvida; mas o forte são os malabarismos culinários, os delírios improváveis, as perplexidades plásticas, tudo em porções homeopáticas equilibradas sobre pratos enormes. A primeira impressão: o prato está vazio, mas a porcelana foi pintada por Miró.
            Aonde isso vai chegar, não se sabe. Há muita coisa inexplorada a se cogitar. Ainda não se pensou em dedos de frango en confiture de groseille vert  com soufflé  de cagaita, bofe de raposa en ragoût  ao perfume de cravo-de-defunto, farofa de sandália havaiana com serragem de angelim-gambá, tapenade  de mandruvá au Grand Marnier, mijoté de pardal fermentado com pena e tudo, fricassé  de calango avec ses intestins. As possibilidades são ilimitadas para os “chefes cinco estrelas”. Meu amigo Zé Gamela, viajor antigo e desbocado, glutão incorrigível, vai além; encontrei-o em êxtase na praça da Rodoviária,  saboreando a maravilhosa paella  de cordeiro do Chef  Rodrigo Zarif. Ele afirma que existe até chefe seis estrelas:  “a sexta (estrela), com pisca-pisca, ele a traz ao rabo, como se diz em Portugal”. Não sei se a  informação procede.
            Um dia, passados anos, alguém vai receber as novecentas e noventa e nove estrelas do Guide Michelin por ter assado uma galinha só com sal e pimenta, num espeto de pau-mulato preso em forquilhas de galha sobre foguinho mole. Ou, como na era antropozóica, servir apenas carne crua, ainda quente e sangrenta de bicho morto a paulada, sem tempero algum, e soltar os grunhidos de prazer dos pitecantropos. Verdadeiro retorno às origens...
            No entanto, como no modo de ser, a simplicidade é um trunfo. É em Tiradentes; domingo; os salões dos “festins” (!!!) estão fechados e apagadas as ribaltas; os Chefs estrelados se escafederam; resta a melancolia de todo final de festa. E cisco; muito cisco; e copos sujos, toalhas amarrotadas, rolhas pra todo lado, guardanapos babujados. O badalado Festival Gastronômico acabou. Sai de cena a Alta Culinária. 
Então acontece o outro festival. Arranjado pelo Zé Povo, sem patrocínios milionários, sem os rapapés do Poder Público, sem brilhos e guirlandas. Trata-se, como os próprios organizadores a denominam, a festa da... Baixa Culinária! Isso mesmo. O oposto, o contraposto, o antinômico – o sumo da eterna associação dos contrários.
            Pois é. Os festeiros se unem, eles mesmos compram os leitões, as lingüiças, os frangos, até javali e capivara. Acontece no Largo dos Malas. Armam com tijolos um tanque enorme, enchem-no, horas antes, de carvão e madeira; e fogo, claro. À tardinha os assados são uma apoteose de cor, aromas e sabores; dourados nos espetos, sumarentos, as gorduras chiando nas brasas, fumacinhas suaves. Divino festival!
Quanto se paga para participar da festa? Coisa alguma. Só se exigem sorrisos e cortesia. Basta ser amável; sem frescura e sem preconceito. Com esse espírito, é chegar e se servir. A cervejinha gelada se compra no Emporiu (assim mesmo, e com u). Já provou? Pelo menos, já ouviu falar do evento? Não. Pois não provou; nem ouviu falar. A mídia não divulga.  

            É onde eu te falo...