Páginas

terça-feira, 31 de julho de 2012

LILITH E EVA... QUE MULHERES!


            A lenda de Lilith foi deliberadamente apagada da memória dos povos. Seria um mito de origem suméria ou babilônica que, consta, figura na Cabala hebraica - tratado que, entre um ror de simbolismos, conteria o sentido secreto da Bíblia. Conforme a tradição, era o protótipo da mulher fatal; lindíssima, altaneira, sensual ao extremo, envolvente, sedutora e, para maior alindamento da sua história, muito levada. Diz-se que viva no Jardim do Éden antes de Eva e foi a primeira esposa de Adão. Este seria meio frouxo e, como todo frouxo, um machista de quatro costados. Ora, para um marido assim, a esposa menos indicada seria a adorável Lilith, que era muito independente e tinha PHD na arte de fornicar, do que Adão não era exatamente um adepto.
Daí o inevitável: Lilith abandonou o Éden e foi viver alhures. Alguns falam que foi expulsa do Jardim por discordar das prescrições sexuais ali vigentes:  Lilith não queria ficar por baixo de Adão durante o... ato, como previa o Regimento Interno; outros afirmam que o espírito independente de Lilith bateu de frente com o dito regimento, que vedava o livre-pensar. Assim e como ambas as condutas tipificassem o crime de desobediência, ela foi expulsa. Também já ouvi que Adão, ser primitivo, só queria emprenhar a linda consorte e cumprir preceito do verbo multiplicar, contra o que ela reagiu, porque era muito vaidosa da própria silhueta. De todo modo, Lilith deixou o Jardim e foi preciso construir a nova comodatária do Éden, donde surgiu Eva, a feiosa. A saga de Eva é por demais conhecida, tanto quanto a do povoamento do mundo.
Como nesse terreno tudo são lendas, fico à vontade para falar de uma outra, da minha lavra: Lilith e Eva eram usufrutuárias simultâneas do Jardim Parque Éden. Eva, moldada às pressas pelo incorporador  do Jardim, saiu mal arrumada e fria; Lilith, primorosamente esculpida pelo gênio Paá-Vir-Ahda, adversário do incorporador, era um tantão de mulher . Adão, obviamente, se encantou com Lilith e deu um chega-pra-lá na Eva. Justamente o que pretendia Paá-Vir-Adah, um pândego sacaneta, que adorava molecagens e gostava de atrapalhar os planos do incorporador. Daí, justamente, o desterro de Lilith.
            Do que precede, por essa ou aquela razão, o establishment  religioso teve motivo para apagar Lilith do romanceiro do Gênese, e se concentrar em Eva. Isso me lembra uma façanha stalinista: Laurenti Béria era chefe da polícia secreta de Stalin, o celerado; caiu em desgraça e foi executado. E para que o povo russo se esquecesse de Béria, Stalin mandou recolher todas as enciclopédias e compêndios escolares existentes no território e reescrevê-los... sem o verbete “Béria”. Não sei se a comunidade soviética se esqueceu do sujeito, mas a comunidade religiosa se esqueceu de Lilith.
            No final das contas, Parque Éden desandou em revertério: Eva comeu a maçã e deu no que deu. Feiosa ou bela, Eva não era a songa-monga que se esperava: foi a primeira insurgente da História e se revelou, tanto quanto Lilith, uma livre-pensadora corajosa. Entendendo-se capaz de determinar a sua própria vida, arrostou o Regimento Interno do Jardim e mandou tudo pras cucuias, dizendo: - Ninguém me diz o que fazer, pombas! 
            Por essas e por outras é que não vou muito com essa coisa de dogmas e peias. E encaro Eva como heroína, a mulher que revelou ao mundo a maior atributo do ser humano, qual seja, o de pensar livremente.

            É onde eu te falo...         

segunda-feira, 30 de julho de 2012

COISAS PRIMITIVAS


             O boi tem quatro estômagos, ouvi dizer. Prodígio? Não. Apenas necessidade de um sistema digestivo especial. Prodigiosas são as autoridades fiscais brasileiras que têm quatrocentos buchos. Pois é. Mais que as pessoas físicas, os empresários reclamam contra a carga tributária a que se sujeitam. Com razão uns e outros. A queixa procede. Políticas fiscais primitivas são próprias de governantes ineptos e administradores rudimentares, para quem governar é uma peça em dois atos: tributar e aumentar os tributos. Fazer o quê?
            As empresas brasileiras fazem o diabo no afã de abrandar a fome tributária nacional – sem êxito, porque o Parlamento, fraco e interesseiro, não quer desgostar o Executivo, que lhes abre as torneiras politiqueiras. Desiludidos, os empresários inventam saídas que lhes atenuem o desembolso – nem tão grande, afinal, visto que repassam ao consumidor cada extorsão que lhes faz o governo, como é notório.
            A mais nova idéia, que leio nos jornais, foi idealizada pelos vitivinicultores gaúchos: eles querem, via tributação forte, encarecer o vinho estrangeiro, na suposição de que isso fomentará o consumo dos vinhos nacionais. Solução que, é quase certo, despertará os sorrisos das autoridades fiscais. É o mesmo que perguntar à saúva se ela quer brotinhos suculentos.  
             No entanto, tenho cá minhas dúvidas de que a proposição gaúcha renderá os trunfos que pretende. O encarecimento do produto estrangeiro não vai forçar, necessariamente, a opção pelo vinho brasileiro; até porque, na proposta dos vinhateiros nacionais, estariam fora do arrocho governamental os vinhos chilenos, paraguaios e argentinos - que são, justamente, os estrangeiros mais vendidos aqui, donde a possibilidade de não ser assim tão saborosa a fatia originada do encarecimento dos vinhos forâneos.
            A medida em questão pode até gerar algum ganho, mas dificilmente ele será expressivo. Barreiras fiscais são faca de dois gumes, todos sabem. Melhor fariam os produtores gaúchos se batessem o pé diante de Suas Majestades, os arrecadadores de impostos. E tratassem de baratear os seus vinhos no mercado interno, pelo menos até que as bocas brasileiras percebessem como são excelentes os vinhos da Serra Gaúcha.
            Reconheço que isso é tarefa de alta carregação: no seu primitivismo, os governantes brasileiros qualificam o vinho (qualquer um) como “artigo de luxo”, ao invés de considerá-lo item normal da dieta – como nos países mais evoluídos mentalmente.
            Por mais, adegas e restaurantes estrelados não deixariam de vender vinhos portugueses, espanhóis, italianos, californianos, da Nova Zelândia, da África do Sul, da Austrália, até do Butão
(não conheço quem já tenha tomado vinho desse lugar, mas por via das dúvidas...). Enófilos abonados e babacas faroleiros não se privariam do vinho estrangeiro por trinta mirréis a mais ou a menos. 
            O grande perigo é que o tiro saia pela culatra: não se pode confiar nas autoridades fiscais brasileiras; se a importação cair um pouco, elas vão, isso sim, espoliar mais a vitivinicultura nacional. Uma coisa é certa: os palácios do poder não hospedam muitos bebedores de vinho, razão da má vontade governamental em incentivar-lhe o consumo. Além disso, há grupos que já divulgam via Internet, até com foros ditos científicos, que Cristo não bebia vinho, mas suco de uva. Só não explicam se de embalagem Tetra Pak.
     
              É onde eu te falo...       

DOENÇA AINDA SEM CURA


Coisa repulsiva é essa excrescência chamada ditador. Nestes tempos de Século XXI, esse bicho deveria ser apenas um verbete no dicionário das monstruosidades para sempre extintas. No entanto, ainda existem ditadores; que vingam graças ao atraso dos povos. A Humanidade precisa evoluir muito antes de erradicar essa praga, mas esse estágio de evolução não se vislumbra nos horizontes do Planeta.
Kadafi, Ceausesco, Brejnev, Pinochet, Mao et caterva, esses, felizmente, já foram pra casa do... pra bem longe; mas ainda devem ao mundo o seu último suspiro fedorento alguns ditadores, inclusive os que amargam prisão perpétua e aqueles que a mídia incensa com o título de... presidente !!!
A bola da vez entre os ogros que não largam o osso, é um sírio. A simpática Síria, que nos mandou tanta gente boa e culinária saborosa, definha a olhos vistos. Cidades, como a generosa Alepo parece a Berlim que os russos devastaram em 1945: um monte de escombros com cheiro de cordite. A guerra civil está em plena efervescência, enquanto a ONU, inoperante e boba, manda os seus fantoches passear nas áreas de conflito a pretexto de arrumar a paz.
Os aproveitadores da guerra - da qual eles próprios acenderam o estopim - já escolheram os seus lados e, como sempre ocorre, usam a Síria como palco das suas quesílias econômico-ideológicas. E dançam a cirandinha de sempre, entre rodeios falsos e muita conversa fiada. Na verdade, os dois polos estão naquela de "eu quero é txum, eu quero é txa..." 
Como o mundo já viu e sentiu, ideologia é um tipo de câncer sem cura. Não há ideologia que preste; todas são podres e fedem mais que o lendário enxofre que, segundo os padres de Idade Média, o Capeta exalava. E o povo sírio lá, morrendo como moscas ao redor das suas casas arruinadas, “ a padecer jugo e vitupério do torpe ismaelita cavaleiro” (apud Camões).     
 Ditaduras são ditas, mas não duram, porque ditadores - que bom! - morrem. Ainda que  tardiamente, como é o caso de alguns, carcaças insepultas, que vivem..., ou melhor vegetam, arrastando os pés, tossindo seco e engrolando palavras ininteligíveis nas bocas desdentadas, onde o cuspe nojento se mistura às gosmas do catarro - inescondível sinal de degeneração. Eternos, como preconizou Mr. James Bond, só os diamantes... 
A boa perspectiva é que o ditador sírio também vai sif..., quer dizer, se danar, mais cedo ou mais tarde. A previsão ruim é que, quando isso acontecer, a Síria acabará entrando no mesmo desatino do Egito e da Líbia, quando os adversários da ditadura, enfim vencida, começarem a brigar entre si pelo poder. Isso não muda.

  É onde eu te falo...
                    
l

sexta-feira, 27 de julho de 2012

POR QUE NÃO UMA SOBREMESA VOTIVA?


        Chega-me de Portugal a receita de um doce que reina, sem jaça e contestação, nas mesas d’além mar. Não há festa em que ela, quando chamada, fique revel. Ao fim das ceatas copiosas, ela se apresenta sempre, gloriosamente acomodada em folhudo novelo de fios de ovos. Vem, muito pimpona, na rica travessa de porcelana que certamente serviu a muitas gerações dos antanhos, e espraia o seu corpo amarelo ondulante em  forma de “s” - para que cabeça e cauda não ultrapassem o comprimento da louça.  
            Mas... Que raio de sobremesa tem cabeça e rabo? Pois essa tem. E tem porque o doce é cuidadosamente esculpido no formato da lampreia, peixe da família dos Agnatha, dizem que o mais primitivo dos vertebrados existentes. Como peixe é de uma feiúra atroz, mas como arte confeiteira é digno de um banquete na Mansão dos Bem-aventurados. Quando surge na bandeja, os comensais deliram; ali está uma lampreia doce, cujos detalhes são desenhados com cerejas e creminhos coloridos, olhos, boca, guelras, até escamas e língua. Estamos falando da celestial ... txam-txam-txam-txam... lampreia de ovos! Sim, a lampreia de que só dão conta confeiteiros portugueses de alta linhagem.
            É raro o livro de Eça (sempre ele, genial gourmand!) onde uma delas não apareça na hora do Porto, depois da comezaina de bacalhaus e da frangalhada com ervilhas que sucedem à pratada de
ovos com chouriço. Aliás, vai um conselho: nunca leia Eça com o estômago vazio...
            Pois é. Mas a lampreia de ovos (os mestres da prosódia mandam pronunciar lamprêia (com “e” fechado) é um doce que, no bom jargão lusitano, se pode dizer... bestial ! A começar pela quantidade de ovos que se quebram, de sorte a recolher cinco dúzia de gemas – isso mesmo: 60 gemas!!! Imagino os esgares e horrores que se pintam nas caras de dietistas entojados e seus entojadíssimos discípulos diante de um doce que leva coisa de meia grosa de gemas de ovos!
            É mais uma das delícias “conventuais” da terra de Afonso Henrique, cujos galinheiros, conforme o Guinness Book, comportavam mais galinhas que torcedores no Maracanã em fim de campeonato. Era a época em que monjas e noviças sem ocupação mais rude, se juntavam nas vastas cozinhas dos conventos a inventar gulodices açucaradas, com as quais regalavam padres, prelados e confessores, notoriamente esganados e barrigudos.
Esses religiosos conviviam bem com os pecados veniais, notadamente o da gula. No que estavam certos, acho. Aliás, estavam bem amparados na preleção de Agostinho, grande sabedor das coisas terrenas: “Todas as vezes que alguém toma, no comer e no beber, mais do que necessário, saiba que isso ficará entre os pequenos pecados”. Ora, pois, ninguém vai perder sua alma por conta de pequenos pecados. Então, “m’ninos, aos doces!” Pois é. Se querem, posso-lhes fornecer a receita dessa iguaria admirável.
Andei pensando. Ao tempo do Êxodo, os hebreus desconheciam-na, segundo o Velho Testamento. Mas formulo a seguinte tese: se o povo de Moisés comesse lampreia de ovos, é absolutamente certo que nas suas oblações grelhadas em honra a Yahweh, entregariam às brasas do propiciatório sagrado, além das carnes regimentais, uma bela lampreia votiva, à sobremesa divina. Feita, à maneira kosher, esse doce “desprenderia odores suavíssimos ao Senhor”, acho.

É onde eu te falo...


quarta-feira, 25 de julho de 2012

O croupier, o tico-tico e a Torah


                     Nos manuais de Teoria Geral do Estado se aprendia um truísmo-chavão: “Nação é o Estado politicamente organizado”! E tome estado-isso, estado-aquilo, uma lista enorme, tão ao gosto dos teóricos antigos. Acrescentei a esse rol duas modalidades: o estado croupier e o estado tico-tico. Croupier é o sujeito que, nos cassinos, dirige a banca e recolhe as apostas; e o tico-tico é aquele passarinho praticamente extinto. O Brasil é representante universal dessas duas modalidades.
O Estado Brasileiro banca dezenas de jogos de azar, no que arrecada uma fábula para financiar malandros públicos e privados; são os concursos loto-isso, loto-aquilo, em cuja lisura muitos não confiam. É o estado croupier. Por outro lado, consta que o godero (ou chupim), passarinho malandro, invade o ninho do tico-tico e lhe destrói os ovos para nele botar os seus próprios, os quais são chocados pelo dono do ninho. Bem ao feitio brasileiro. Gente que não tem onde cair morta procria enfezadamente, deixando ao Estado o encargo de manter suas crias. É o estado tico-tico, que a pretexto de distribuir renda, financia a irresponsabilidade sexual dos goderos.
Esse negócio chamado Estado é um caso sério. Tão sério quanto os teóricos publicistas que arrolam, entre as modalidades estatais, o chamado estado teocrático. O croupier e o tico-tico são modalidades daninhas, cujas desgraças potenciais se vão acumulando para explodir a longo prazo; mas o teocrático, esse é uma bomba-relógio, que pode estourar a qualquer momento. O estado teocrático é também regido por leis, mas leis religiosas, não seculares ou profanas. A teocracia tem um dono, bambambã especial que tem contato direto com uma divindade, da qual ele é intérprete e confidente. Assim, pode decretar o que lhe der na cabeça, alegando que são ordens da tal divindade. Um trem doido!
Israel, além das suas crises externas, lida com um sarilho doméstico que pode azedar mais suas aguadas démarches diplomáticas pela paz: o Partido Kadima, ninho de judeus ultraortodoxos, rompeu com o Governo Netanyahu. Motivo: o Parlamento hebraico discute o projeto que acaba com a regalia dos fanáticos religiosos quanto à prestação do serviço militar. Judeus ultraortodoxos são isentos do serviço militar, que em Israel dura dois ou três anos, privilégio que o Estado quer extinguir – não só por pressão da própria comunidade israelita, mas também pela situação nacional relativamente aos seus vizinhos ismaelitas.    
Israel e Ismael brigam há milênios. Sarah, mulher de Abrahão, tinha o ventre seco; Abrahão, galo reprodutor, emprenhara Agar, donde o nascimento do pequeno Ismael; tudo ia bem até que Sarah, por ordem divina, concebeu Isaac; imediatamente Abrahão repudiou a amante Agar e o pimpolho Ismael, expulsando-os da tribo. A partir daí começaram as escaramuças.
Tirante qualquer juízo sobre às políticas israelenses, uma coisa é certa: Israel vive em permanente estado de guerra. Certo ou errado, Israel está em guerra e nessa contingência precisa, como qualquer nação em guerra, das suas forças armadas. Então é estranho e inadmissível, que uma determinada casta israelense cruze os braços e se escuse de pegar o fuzil. Afinal, como no adágio, guerra é guerra...
Bom, cada um se entende a seu modo – dizia André Cavaleiro na Ilustre Casa de Ramires, pela pena do iluminado Eça. Mas por que os ultraortodoxos não querem vestir a farda e portar os petrechos de guerra? A resposta é simples, dada pelos líderes ainda mais ultraortodoxos que o seu estático rebanho: “Os nossos jovens religiosos servem à nação por meio de estudos e orações” !!!                
Pois é. Reza e leitura da Torah “fecham o corpo”: se guerreiro palestino (por exemplo) aponta a metralhadora contra um desses jovens estudiosos/rezadores; bastará que este se esconda atrás do rolo da Torah e grite: “No dia da adversidade me esconderei no pavilhão do Senhor!” Pronto. Está a salvo das balas!
Fico a imaginar o destino de Israel governado pelo Kadima. Mazel Tov, Kadima!

É onde eu te falo...