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quarta-feira, 20 de março de 2013

A MULA-SEM-CABEÇA EXISTE, SIM !



Quando eu era criança pequena lá em Barbacena (frase do saudoso Joselino Barbacena, que tinha cara de doido e era mesmo), ouvia dizer que mulher de padre virava mula-sem-cabeça na Quaresma. Mas isso só acontecia ao bater o sino anunciador de zero hora das sextas-feiras quaresmais. Assim, e como em Barbacena   à época  havia beatas quarentonas que de dia  propalavam recalcitrante estado de virgindade e à noite se socorriam nos cobertores eclesiais, qualquer delas  se qualificava ao extraordinário cargo de sombração que perde a cabeça na Quaresma. Nunca vi, então, um desses quadrúpedes medonhos; mas, deitado e atento, se eu ouvia o sino da meia-noite e as patas de um cavalo retinindo no macadame, não tinha dúvida:  a mula-sem-cabeça desembestava pelas ruas da cidade.
Adulto, quando eu pensava  – aliás, tinha certeza   que esse ser descabeçado e de patas fortes era pura crendice do folclore, não é que dou com um, de verdade? Pois, sim, não é mentira, não. E nem era tempo de Quaresma. A lendária mula-sem-cabeça existe mesmo, estejam certos. É feia, desconchavada, tem patas de casco redondo e acumula enxúndias pelo corpo. Não fala, orneja. Tem tudo para causar a sensação de pavor; só não tem cabeça.
O que não entendo é como esse avantesma, que não tendo cabeça não tem olhos, galopa pra todo lado, sobe, desce, vira esquinas, foge de buracos e de qualquer anteparo ao seu tropel insano. Também não atino com a sua rara capacidade de soltar fogo pelo pescoço - cuja utilidade única é expelir labaredas, já que é desprovido da cabeça, a qual, de regra, ficaria na extremidade mais delgada.
Ao que sei, ninguém conseguiu exorcizar a danada; e vai demorar que isso aconteça, segundo fontes insuspeitas. Rahjwapapuh, o faquir, assegura que para sumir com um bicho assim é preciso lucidez e fortidão de caráter, ingredientes que andam escassos. O inefável derviche Al-Moufaad Al-Fayat, de quem me fiz amigo quando, perdido  nos  abrasados do Nefud,  estava à morte por falta de água  (fui salvo por ele) é do  mesmo parecer. Um e outro não desacreditam da minha informação de que vi a mula-sem-cabeça. Aliás, têm certeza disso. Ela existe, eles confirmam.  

É onde eu te falo...

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