Quando eu era criança pequena lá em
Barbacena (frase do saudoso Joselino Barbacena, que tinha cara de doido
e era mesmo), ouvia dizer que mulher de padre virava mula-sem-cabeça na
Quaresma. Mas isso só acontecia ao bater o sino anunciador de zero hora das
sextas-feiras quaresmais. Assim, e como em Barbacena – à
época – havia beatas quarentonas que de dia propalavam recalcitrante estado de virgindade
e à noite se socorriam nos cobertores eclesiais, qualquer delas se qualificava ao extraordinário cargo de
sombração que perde a cabeça na Quaresma. Nunca vi, então, um desses quadrúpedes
medonhos; mas, deitado e atento, se eu ouvia o sino da meia-noite e as patas
de um cavalo retinindo no macadame, não tinha dúvida: a mula-sem-cabeça desembestava pelas ruas da
cidade.
Adulto,
quando eu pensava – aliás, tinha certeza
– que esse ser descabeçado e de patas fortes era
pura crendice do folclore, não é que dou com um, de verdade? Pois, sim, não é
mentira, não. E nem era tempo de Quaresma. A lendária mula-sem-cabeça existe
mesmo, estejam certos. É feia, desconchavada, tem patas de casco redondo e
acumula enxúndias pelo corpo. Não fala, orneja. Tem tudo para causar a sensação
de pavor; só não tem cabeça.
O que não
entendo é como esse avantesma, que não tendo cabeça não tem olhos, galopa pra
todo lado, sobe, desce, vira esquinas, foge de buracos e de qualquer anteparo ao
seu tropel insano. Também não atino com a sua rara capacidade de soltar fogo
pelo pescoço - cuja utilidade única é expelir labaredas, já que é desprovido da
cabeça, a qual, de regra, ficaria na extremidade mais delgada.
Ao que sei,
ninguém conseguiu exorcizar a danada; e vai demorar que isso aconteça, segundo
fontes insuspeitas. Rahjwapapuh, o faquir, assegura que para sumir com um bicho
assim é preciso lucidez e fortidão de caráter, ingredientes que andam escassos.
O inefável derviche Al-Moufaad Al-Fayat, de quem me fiz amigo quando, perdido nos abrasados
do Nefud, estava à morte por falta de água
(fui salvo por ele) é do mesmo
parecer. Um e outro não desacreditam da minha informação de que vi a
mula-sem-cabeça. Aliás, têm certeza disso. Ela existe, eles confirmam.
É onde eu
te falo...
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