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quarta-feira, 10 de outubro de 2012

TOMA TENÊNCIA, GENTE !




(Para Sérgio Inglês de Souza, enófilo de longo curso, que pensa antes de falar e gosta de regionalismos pitorescos) 

             Esses jornalistas mal informados não se emendam; nem os respectivos editores, que não lhes corrigem os erros escritos e falados. São profissionais da mídia que nunca leram Humberto de Campos; a maioria nem sabe de quem se trata. Arrogantes e orgulhosos dos seus desconhecimentos, escrevem e falam besteiras com a maior desenvoltura; imaginam-se excelentes e supõem que o  leitor é um idiota. Sem medo, nem preocupação, avacalham o idioma soprando os trombones difusores das suas impropriedades lingüístico-gramaticais (notem que não dispenso o trema, cuja supressão decorre de um “acordo gramatical” que desprezo). Mas não há edição de jornal, escrito ou falado, em que esses bocós deixem de mostrar a sua indigência vernacular.
            Hoje, numa leitura rápida, me deparei com três pérolas jornalísticas. Uma, de ordem culinária; duas, de ordem jurídica. Ei-las, a seguir, no mais puro caçanje de jornalista sem tenência.
           Do filé mignon se retira uma porção grossa que vai para a grelha, onde tosta por fora e permanece bem rosada por dentro – aliás, muito ao gosto de Gioachino Rossini, o do Barbeiro de Sevilha. A essa delícia os franceses chamam de tournedos, que vem do verbo tourner (virar-se, girar, volver, etc.) e do substantivo dos (costas, dorso). Nos restaurantes de primeira linha  é personagem obrigatório no cardápio. O melhor que comi me foi servido no hoje extinto Le Bec Fin, no Leme, quando eu, mal entrado na adolescência, estava no Rio de Janeiro. Um sonho, aquele tournedos... A propósito, em Francês se diz “turnedô” - exatamente como o Aurélio grafa em verbete. 
            Pois o famoso prato, principalmente em Belo Horizonte, virou... “tornedor" !  Mas o que vem a ser “tornedor” ? Ninguém sabe. A desinência “dor” sugere atividade, dedicação, especificidade, essas coisas, como do étimo caça vem caçador e de ralo, ralador. Então, não se atina com o que possa ser esse tal tornedor, já que o étimo não existe. Ora, se caçador é o que caça e ralador é o que rala, “tornedor” seria aquele ou aquilo que... torne  – um desatino, pois o idioma desconhece o verbo “torner”. Nem se pense no verbo “tornar”, pois aí o bife seria “tornador” – pior ainda. Francamente, senhores, sobre ser mostra de desconhecimento, é uma injúria culinária, pois não?
            Noutra página do jornal, artigos assinados sobre o julgamento do Mensalão. O signatário apregoa que o Ministro Joaquim Barbosa “pediu” a condenação de José Dirceu! É ignorância em grau superlativo. O juiz não “pede” a condenação do réu: condena-o. Quem pede a condenação é o acusador, no caso, o Ministério Público.
            E no caderno de esportes alguém escreve que o Clube Tal vai “entrar com um efeito suspensivo” contra a condenação do seu atleta pelo Tribunal Desportivo. Aí dói. O que o clube pode fazer é requerer a suspensão temporária dos efeitos imediatos da condenação: o Tribunal, ao receber o recurso contra a decisão condenatória, pode, se lhe parecer adequado, imprimir a esse recurso o efeito suspensivo. Ou seja, não se executa a decisão até o julgamento do recurso. Ah, que coisa mais difícil de entender, hein?
             A última vez que vi alguém “entrar com um efeito suspensivo” foi na roça, lá pros lados de Santana do Garambéu. Zé Laureano, vítima de feroz diarréia, estava naquela de (como na linguagem rude de lá)  “cagar sem o cu saber”; não havia o que lhe estancasse a vasa humilhante. O médico do posto receitou comprimidos disso; nada. Prescreveu comprimidos daquilo; ainda nada. E o Zé, lá, se esvaindo. Já nem se levantava da latrina; não dava tempo.
Diligente, sua mulher, Dona Franquilina, tomou a iniciativa: “Esses remédio de farmácia é inganação. Vô intrá c’o remédio da minha mãe.”  E preparou uma tisana forte de folhas novas de goiabeira que deitou goela do marido abaixo. Pronto! A caganeira secou; foi suspensa. Milagre? Não. Dona Franquilina havia “entrado” com um... efeito suspensivo.

 É onde eu te falo...
           
               
               

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