Páginas

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

CULINÁRIAS... TESE/ANTÍTESE




Agora a coqueluche se chama cozinha européia/oriental com ingredientes brasileiros. Depois que as mesas nacionais se saturaram dos molhos carnavalescos com redução de manga e mingau de frutas vermelhas (indefectíveis), a próxima saturação deverá levar ao ostracismo taiobas e ora-pro-nobis, pupunha e açaí. A corrida dos Chefs é pelo “oscar” de originalidade, mais ou menos como nos bailes do Municipal, onde os holofotes choviam sobre Clovis Bornay e correlatos.
            Há criações geniais, sem dúvida; mas o forte são os malabarismos culinários, os delírios improváveis, as perplexidades plásticas, tudo em porções homeopáticas equilibradas sobre pratos enormes. A primeira impressão: o prato está vazio, mas a porcelana foi pintada por Miró.
            Aonde isso vai chegar, não se sabe. Há muita coisa inexplorada a se cogitar. Ainda não se pensou em dedos de frango en confiture de groseille vert  com soufflé  de cagaita, bofe de raposa en ragoût  ao perfume de cravo-de-defunto, farofa de sandália havaiana com serragem de angelim-gambá, tapenade  de mandruvá au Grand Marnier, mijoté de pardal fermentado com pena e tudo, fricassé  de calango avec ses intestins. As possibilidades são ilimitadas para os “chefes cinco estrelas”. Meu amigo Zé Gamela, viajor antigo e desbocado, glutão incorrigível, vai além; encontrei-o em êxtase na praça da Rodoviária,  saboreando a maravilhosa paella  de cordeiro do Chef  Rodrigo Zarif. Ele afirma que existe até chefe seis estrelas:  “a sexta (estrela), com pisca-pisca, ele a traz ao rabo, como se diz em Portugal”. Não sei se a  informação procede.
            Um dia, passados anos, alguém vai receber as novecentas e noventa e nove estrelas do Guide Michelin por ter assado uma galinha só com sal e pimenta, num espeto de pau-mulato preso em forquilhas de galha sobre foguinho mole. Ou, como na era antropozóica, servir apenas carne crua, ainda quente e sangrenta de bicho morto a paulada, sem tempero algum, e soltar os grunhidos de prazer dos pitecantropos. Verdadeiro retorno às origens...
            No entanto, como no modo de ser, a simplicidade é um trunfo. É em Tiradentes; domingo; os salões dos “festins” (!!!) estão fechados e apagadas as ribaltas; os Chefs estrelados se escafederam; resta a melancolia de todo final de festa. E cisco; muito cisco; e copos sujos, toalhas amarrotadas, rolhas pra todo lado, guardanapos babujados. O badalado Festival Gastronômico acabou. Sai de cena a Alta Culinária. 
Então acontece o outro festival. Arranjado pelo Zé Povo, sem patrocínios milionários, sem os rapapés do Poder Público, sem brilhos e guirlandas. Trata-se, como os próprios organizadores a denominam, a festa da... Baixa Culinária! Isso mesmo. O oposto, o contraposto, o antinômico – o sumo da eterna associação dos contrários.
            Pois é. Os festeiros se unem, eles mesmos compram os leitões, as lingüiças, os frangos, até javali e capivara. Acontece no Largo dos Malas. Armam com tijolos um tanque enorme, enchem-no, horas antes, de carvão e madeira; e fogo, claro. À tardinha os assados são uma apoteose de cor, aromas e sabores; dourados nos espetos, sumarentos, as gorduras chiando nas brasas, fumacinhas suaves. Divino festival!
Quanto se paga para participar da festa? Coisa alguma. Só se exigem sorrisos e cortesia. Basta ser amável; sem frescura e sem preconceito. Com esse espírito, é chegar e se servir. A cervejinha gelada se compra no Emporiu (assim mesmo, e com u). Já provou? Pelo menos, já ouviu falar do evento? Não. Pois não provou; nem ouviu falar. A mídia não divulga.  

            É onde eu te falo...  
  

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Caso queira, faça contato direto por email: rubens2instancia@hotmail.com