Amanheci ouvindo Sá &
Guarabira pelo rádio-relógio. Deu
saudade desses dois, tão sumidos, que perderam espaço para essas duplas
infernais que assolam as ondas de Hertz. São as tais duplas que se vestem à
texana e gemem merdinhas musicais enquanto pensam nos milhões com que os
babacas lhes aumentam os saldos bancários, com os quais adquirem fazendas
cinematográficas. Verdadeira maldição.
O
Brasil, coitado, vive a “maldição da latrina” – praga que lhe rogaram as
deidades subterrâneas: atolar-se em merda. Essas deidades fizeram um pacto com
a escória e por efeito dele o que estava em baixo foi pra cima. Maçons e outros
místicos juram que essa é uma lei universal e cíclica – crença que até certo
ponto conforta, pois traduz a
possibilidade de os boçais regressarem à
Geena, um dia.
Mas Sá & Guarabira cantavam
bonito: o homem chega, já desfaz a natureza, tira gente, põe represa, diz que
tudo vai mudar. O São Francisco, lá pra cima da Bahia, diz que dia menos dia
vai subir bem devagar; e passo a passo vai cumprindo a profecia do beato que
dizia que o sertão ia alagar...
Ô,
Diabo! Essa canção, mesmo antiga, evoca coisas de agora! O homem diz que tudo
vai mudar... O São Francisco mudando de lugar... O beato dizendo que o sertão
ia alagar... Onde é que eu já vi isso? Sei lá. Trem doido essa memória da gente,
né? Bom, deixa pra lá. É levantar, abrir o chuveiro, fazer a barba; e, claro,
tomar café, ler o jornal do dia.
Putz !
É isso ! Inquietante coincidência !O jornal tem páginas dedicadas ao que se pode
chamar de “a paixão e morte do Rio São Francisco”. É isso. O rio está morrendo,
vítimas dos escroques e dos boçais. Os primeiros vêm, há anos, jogando nas outrora formosas
águas toda sorte de venenos; os segundos fazem delas o sorvedouro das suas
imundícies.
União, Estados e Municípios se
fingem de mortos ou, como pássaros na muda, ficam mudos. Por quê? Ora, por quê... Porque os escroques venenosos são industriais milionários que entopem as cloacas dos
governantes com muito dinheiro, e neste país de trastes governar é arrecadar. Quem
quer incomodar as suas galinha dos ovos de ouro? E os boçais, magrelos
desnutridos e fedorentos, não têm cultura nem discernimento para outra coisa
que não seja emporcalhar o rio. Enquanto isso o rio estrebucha. E pensar que
disseram: O sertão vai alagar, tudo vai mudar ! O que era deserto vai ser um oásis ! Faça-se a água !!!
Uma
ova. Analfabetos funcionais rascunharam um projeto de transposição das águas,
coisa porca (disseram especialistas), sem técnica e desafiando sequelas
ambientais – pior, sem ao menos saber da
possibilidade delas, já que são ignorantes. E começaram a retalhar
porcamente margens e entornos, fizeram
alardes de ensurdecer em propaganda na mídia – sempre ávida de patrocínios
oficiais, dos quais ela, na realidade, vive.
Mais que isso, entregaram as obras àqueles que “andam pelo braço dos canalhas e bebem na taverna dos cretinos” (*),
empreiteiros safados, especialistas não em artes de engenharia, mas em...
claro, safadezas. As obras, ou os arremedos de obras estão lá, no sertão bravo,
onde vivem os boçais – aqueles mamulengos primitivos que acreditam em mágica e agradecem a “assistência” governamental, crentes que a vida se resume nisso.
Sá
e Guarabira diziam: dá no coração o medo que algum dia o mar também vire
sertão... Quá! Antes do mar, o São Francisco vai virar deserto.
É
onde eu te falo...
(*) Trechos do
poema “Dia das Mães”, de Giuseppe Ghiaroni
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