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quinta-feira, 11 de abril de 2013

C A N S E I R A



            
 
    Segunda-feira. Último dia pra pagar a fatura. O caixa eletrônico não traduz o maldito código de barras. Diante do “caixa gente” um ror de domarias aposentadas que, fazem dos flagelos bancários uma alegre oportunidade de congraçamento. Falam dos netos, do pudim de claras da comadre Fulana, dos preços que estão pela hora da morte, do lindo sermão do Padre Marcelo no dia anterior; comentam as mimosas rendinhas na gola da moça do caixa, trocam receitas de rosca e empadão, prometem trocar suas novenas milagrosas. Tudo ao mesmo tempo.
De repente, um assunto momentoso entra em pauta: a violência. Então, elevando-se entre tantas opiniões de respeito, uma voz domina a fila    que de indiana, nessa altura, já não tem nada    para proclamar, com severidade:  o cinema é o fato gerador da onda de violência que domina o mundo! Não custo a perceber que Domaria está falando de Hollywood e que todas as domarias em redor lhe endossam a tese, com gestos de cabeça ou com um “sem dúvida” igualmente severo. Espicho o pescoço e ligo os ouvidos em sintonia fina com a dissertadora: virão formosas proposições sobre o tema.
E vieram. Os filmes ensinam o povo a cometer crimes. São verdadeiras aulas de como assaltar bancos, matar, envenenar a água das cidades, espalhar vírus e provocar contágio em massa... O cinema ensina a corrupção, abertamente. Os valores cristãos são ridicularizados. Depois, as casas infelizes, famílias brigando, nudez, casamentos que acabam, os... “- Além de violência, é só pornografia! Uma imoralidade! ” – outra domaria aparteia, no  que tem clara adesão das demais.  Mas Domaria dissertadora não quer perder a posição de prima dona que adquiriu na roda; brincando com o colar de pérolas cultivadas e assumindo um ar superior, quase de desdém, corta a aparteadora e pontifica: “ - Pornografia é só um galho da árvore chamada violência!”  – assertiva  que vem com força de axioma.
 









Estabelecido que, praticamente, todos os males sociais veem do cinema, uma domaria até então calada aborda as relações homoafetivas. Uma doença, segundo boa parte delas; resultante de uma educação inadequada, conforme outras. - Falta de pudor ! –  acrescenta alguém. E seguem as endechas: uma conta que viu no BH Shopping dois médicos... deviam ser médicos, pela roupa branca e pelas maletas... moços novos ainda, bonitos, se beijando em público; outra rosna  que é uma pouca vergonha; outra, menos radical, não se espanta: “ - Até no Vaticano tem namoro de padres...”.  Aí Domaria dissertadora, definitivamente investida na direção da assembléia, levanta o queixo episcopal e preleciona que essas notícias são plantadas pelos inimigos da Igreja; são mentiras da mídia; tudo falta de temor de Deus. Não existem padres homossexuais e tá acabado
 A fila não anda. A moca de rendas na gola não consegue convencer domaria a deixar a fila do caixa e procurar o gerente para reclamar do rendimento da sua aplicação; à direita, domaria surda não entende o caixa que lhe dá os saldos da conta-corrente e da poupança; à esquerda domaria que veio fazer um depósito abre a sacola e despeja quilo e meio de moedas pra depositar; além, domaria não se conforma a notícia de que não lhe fizeram a transferência que ela jura ter sido feita pela sobrinha; mais adiante, domaria, que não trouxe os óculos, não consegue digitar a senha; noutro guichê, domaria que veio pagar um bolo de contas, quer mais explicações do caixa sobre como descontar um cheque administrativo que o filho lhe vai mandar na semana seguinte; outra ...
Domaria dissertadora condena o crescimento das “igrejas protestantes” e provoca indignada reação das domarias evangélicas. A que vai ser atendida se volta, lembra o que diz “a palavra” quanto a uma tal “grande tribulação” e recomenda a leitura de Ezequiel; o caixa espera, alguém reclama e... Saio sem pagar a conta. Melhor pagá-la com multa. 

                É onde eu te falo...
 

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