Segunda-feira. Último dia pra pagar a fatura. O caixa
eletrônico não traduz o maldito código de barras. Diante do “caixa gente” um
ror de domarias aposentadas que, fazem dos flagelos bancários uma alegre
oportunidade de congraçamento. Falam dos netos, do pudim de claras da comadre
Fulana, dos preços que estão pela hora da morte, do lindo sermão do Padre
Marcelo no dia anterior; comentam as mimosas rendinhas na gola da moça do caixa,
trocam receitas de rosca e empadão, prometem trocar suas novenas milagrosas. Tudo
ao mesmo tempo.
De repente,
um assunto momentoso entra em pauta: a violência. Então, elevando-se entre
tantas opiniões de respeito, uma voz domina a fila – que
de indiana, nessa altura, já não tem nada – para
proclamar, com severidade: o cinema é o
fato gerador da onda de violência que domina o mundo! Não custo a perceber que
Domaria está falando de Hollywood e que todas as domarias em redor lhe endossam
a tese, com gestos de cabeça ou com um “sem dúvida” igualmente severo. Espicho
o pescoço e ligo os ouvidos em sintonia fina com a dissertadora: virão formosas
proposições sobre o tema.
E vieram.
Os filmes ensinam o povo a cometer crimes. São verdadeiras aulas de como
assaltar bancos, matar, envenenar a água das cidades, espalhar vírus e provocar
contágio em massa... O cinema ensina a corrupção, abertamente. Os valores
cristãos são ridicularizados. Depois, as casas infelizes, famílias brigando, nudez,
casamentos que acabam, os... “- Além de violência, é só pornografia! Uma imoralidade!
” – outra domaria aparteia, no que tem
clara adesão das demais. Mas Domaria
dissertadora não quer perder a posição de prima dona que adquiriu na roda; brincando
com o colar de pérolas cultivadas e assumindo um ar superior, quase de desdém, corta
a aparteadora e pontifica: “ - Pornografia é só um galho da árvore chamada
violência!” – assertiva que vem com força de axioma.
Estabelecido
que, praticamente, todos os males sociais veem do cinema, uma domaria até então
calada aborda as relações homoafetivas. Uma doença, segundo boa parte delas;
resultante de uma educação inadequada, conforme outras. - Falta de pudor ! – acrescenta alguém. E seguem as endechas: uma conta que viu no BH Shopping dois médicos... deviam ser médicos, pela roupa
branca e pelas maletas... moços novos ainda, bonitos, se beijando em público;
outra rosna que é uma pouca vergonha; outra, menos radical, não se espanta: “ -
Até no Vaticano tem namoro de padres...”. Aí Domaria dissertadora,
definitivamente investida na direção da assembléia, levanta o queixo episcopal
e preleciona que essas notícias são plantadas pelos inimigos da Igreja; são
mentiras da mídia; tudo falta de temor de Deus. Não existem padres homossexuais
e tá acabado
A fila não
anda. A moca de rendas na gola não consegue convencer domaria a deixar a fila
do caixa e procurar o gerente para reclamar do rendimento da sua aplicação; à
direita, domaria surda não entende o caixa que lhe dá os saldos da
conta-corrente e da poupança; à esquerda domaria que veio fazer um depósito
abre a sacola e despeja quilo e meio de moedas pra depositar; além, domaria não
se conforma a notícia de que não lhe fizeram a transferência que ela jura ter
sido feita pela sobrinha; mais adiante, domaria, que não trouxe os óculos, não consegue
digitar a senha; noutro guichê, domaria que veio pagar um bolo de contas, quer mais
explicações do caixa sobre como descontar um cheque administrativo que o filho
lhe vai mandar na semana seguinte; outra ...
Domaria
dissertadora condena o crescimento das “igrejas protestantes” e
provoca indignada reação das domarias evangélicas. A que vai ser atendida se
volta, lembra o que diz “a palavra” quanto a uma tal “grande tribulação” e recomenda
a leitura de Ezequiel; o caixa espera, alguém reclama e... Saio sem
pagar a conta. Melhor pagá-la com multa.
É onde eu te falo...
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