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terça-feira, 21 de agosto de 2012

MOISÉS, NETO DE FARAÓ...


Pode-se ler o Velho Testamento de dois modos: com olhos de crente religioso pautado na Revelação; como leitor que apenas quer ler. Aquele o considera um livro sagrado, ditado por Deus, conforme a sua crença; este o lê como obra literária. Ou seja, cada um tem a sua motivação, personalíssima. Por mim, considero que ler as Escrituras com a visão específica do sobrenatural desperdiça-lhe a parte não-sobrenatural; um reducionismo. Já aquele, digamos, não-alinhado, que as lê com olhos de simples leitor, que se fixa na história humana ali narrada, tem enorme proveito intelectual. 
Seja como for, o Velho Testamento tem o poder de fascinar quem o lê. Nem o curso do tempo, contado em milênios, conseguiu atenuar o seu encanto  -  independente do espírito de quem o lê: religiosos, em razão de fé; gentios e livre-pensadores, tomando-as como resenha de uma época ou momento histórico, que contém dados sociológicos, legais, antropológicos, geográficos... enfim, um monumento de amplo espectro. Seja como for, as Velhas Escrituras agradam a todos.  
Vamos ao aparecimento de Moisés em Gêneses, visto por um não-alinhado. Ali consta que ele era levita da gema, filho de Amram, e sua mulher Yocabed; e que esta, vendo que seu bebê era muito formoso, escondeu-o por três meses, até que a situação ficou insustentável. Assim, colocou-o num cestinho de vime que deitou nos juncos à beira do rio (Nilo) e mandou que sua filha observasse o que aconteceria. A pequena viu que a filha do faraó, que descera para se lavar no rio, acolheu o bebê e o entregou a uma hebréia a quem pagou para dele cuidar. Anos depois a tal filha do faraó o adotou.
Inverossímil a mais não poder. Primeiro, que mãe abandona o filho de peito num rio apenas  porque ele é formoso? Tirante a fugidia hipótese de um transtorno puerperal, não há explicação para a atitude de Yocabed. No entanto, os obstetras não apontam precedente de febre do puerpério que dure três meses, idade do pequeno Moshe abandonado no rio.   
Depois, é inaceitável a filha do faraó tomando banho no Nilo. Os egípcios eram o povo adiantado, dotado de extraordinário senso estético; preocupados com a beleza física, detinham  tecnologia própria de fabricar sabões e cosméticos. Um povo assim teria severos hábitos higiênicos. Aliás, a comunidade arqueológica divulga que os egípcios mais abastados tinham mesmo um sistema doméstico de filtrar água em tanques comunicantes, cada tanque contendo um elemento filtrante de granulação variada - que ia da brita à areia mais fina, de modo que a água depositava no primeiro tanque as impurezas mais grossas, e assim sucessivamente, até escoar límpida do último.
É óbvio, pois: se as casas das famílias ricas eram munidas desse sistema de filtragem, com mais razão o teria o palácio do faraó. Então, por que a filha do Rei dos Dois Egitos, ela, justamente, faria semicúpios no rio?  É difícil imaginar a filha do faraó passando largos tempos sem banho, durante a estação das cheias do Nilo, que encharcavam de húmus suas margens numa extensão considerável; ou admitir que na época da inundação anual a gentil princesa se banhava na barrela, que – embora altamente fertilizante, ou talvez por isso – devia ser muito fedorenta.
O bebê hebreu no bercinho de junco, com cueiros de riscas à levita e posto nas águas do Nilo, tão lírica e convenientemente recolhido pela filha do faraó, se apresenta, pela própria inverossimilhança, como um simbolismo primariamente singelo: os seres vivos vêem da água; sem água não há vida. Fora disso não se encontra motivo plausível para a filha do faraó, ao invés de se banhar “posta em sossego” nas piscinas cristalinas do palácio, o fizesse diretamente no rio bruto entre pernilongos e crocodilos, lodos, e até as nada implausíveis sobras intestinais jogadas a montante.
Daí a minha opinião: Moshe, o famoso Moisés do Êxodo, podia ser filho do levita Amram, mas não nascido de Yocabed; era filho da princesa, e, pois, neto do faraó. Este, segundo a opinião majoritária de historiadores, arqueólogos e egiptólogos, seria Seti I, o sábio, pai do famoso Ramsés II, da 19ª. Dinastia.

É onde eu te falo...

domingo, 19 de agosto de 2012

O BANQUETE EM VENEZA


       
               Assisti a um documentário sobre a comunidade selvagem dos babuínos da savana. Papagaio! Que bicho mais doido, aquele. Que agilidade ele tem e, em dose maior, que ferocidade! Depois, os dentes, terríveis, poderosos. Caninos enormes que rasgam a presa e a dela tiram pedaços num piscar de olhos. Deus me livre desses primatas irritadiços, de cara feia e bunda vermelha. De todo modo, pitorescos. E, devo dizer, evocativos. Afinal, os processos mentais são complexos e, nada estáticos, vagueiam pelo nosso arquivo de dados. Foi assim, suponho, que aqueles antropóides me lembraram um santo.
Um santo? Ora... Um babuíno, silvestre e rude, pode levar à recordação de um santo? Pois pode. Lembrei-me do medieval São Boaventura, ou Giavanni da Fidanza, da Ordem dos Frades Menores, luminar da Escolástica; consta que muito amigo de São Francisco de Assis. Explico o motivo dessa associação – aparentemente estranha. No entanto, fundada, segundo história que li, faz tempo. Ei-la:
É ali pela metade do Século XI. Veneza está em ebulição com os preparativos da grande festa à qual acorrem potentados e mercadores endinheirados. O Dodge Domenico Salvo se casa com a lindíssima princesa Teodora , filha de Constantino Ducas, o magnífico imperador de Bizâncio – reino encantado da hoje Turquia. A cosmopolita Veneza é rica e portentosa  metrópole que floresceu graças ao comércio internacional. No entanto, mesmo ela , a Pérola do Adriático fica pasmada ante a magnificência da comitiva bizantina.
( Os turcos, antigamente como hoje, eram altamente civilizados e, como tal, davam enorme importância às finesses . Eram irredutíveis no capítulo da higiene. Aliás, não se deve esquecer que o famoso “banho turco”, com vapores e perfumes, é... obviamente...  invenção turca. Portanto, se cuidar da higidez corporal era um hábito fundamental entre os bizantinos, não menor atenção eles davam à higiene na cozinha e à mesa. ) 
Quando entra na sala de banquetes do palazzo ducale , a linda Teodora causa ondas de frisson. Que beleza! Que pele! Que charme! Que perfume ela deixa no seu rastro! 
O banquete vai começar. Vinhos servidos, travessas e terrinas chegam à mesa. Brindes, vivas, palmas, se sucedem e ... acontece o desastre! Com um sinal onde rebrilham anéis e pulseiras na mãozinha mimosa, a noiva, princesa turca de fino traquejo social, chama a sua dama e lhe pede... o garfo de ouro!
Ah!!! Deus Santíssimo, o tridente de Satanás! Oh! Blasfêmia!  Anátema! Pecado! Vade retro , mulher gentia! Ímpia! Ela usa o tridente maligno para comer! Miserere  mei, Deus ! Longe de mim, pecadora! São Boaventura, o frade, esgoela maldições. Núncios e prelados fazem coro e alardeiam pragas. Uns de joelhos, outros de braços alçados clamam aos céus. Ritos  para exorcizar Satanás. Canadas de água benta são atiradas a esmo. O garfo de Teodora é um agravo irremissível ao Senhor!
Chovem insultos. Os convidados debandam, cheios de horror. Correria. Tropeções. Porcelanas se quebram. Ânforas de vinho se reviram sobre a mesa. Cristais viram frangalhos. Arrancam-se cortinas no espavento da retirada. Frutas e assados se espalham sobre os tapetes. Pandemônio. Os sinos de São Marcos tocam a rebate. E dobram finados depois. Nesse clima e ira e aflição a voz trovejante de São Boaventura, o  frade, pede a excomunhão da apóstata que celebra o Maligno ao comer. Partem  mensageiros. Roma entra em convulsão.
Mas antes que as autoridades eclesiásticas ditem os seus desairosos decretos contra o uso do garfo, a princesa morre, de repente. O frade agradece a intervenção divina, que baniu deste mundo a estrangeira infame. Então , no paroxismo da sua bem-aventurança, declara solenemente que a morte súbita de Teodora é  “ castigo de Deus ”... 
Suponho que a jurisprudência canônica da época preconizava que, sob pena de insurgência às leis divinas, para comer só se podiam usar mãos e dentes; garfo era coisa do Tinhoso. E fico a imaginar o frade escolástico brandindo uma perna de cordeiro e dela arrancando maçudos pedaços - com os dentes.
             
É onde eu te falo.   
             
           
           
             
           
        

A ARTE DE SAM PECKINPAH


             Assisti hoje, acho que pela quinta ou sexta vez, ao filme “Meu ódio será tua herança”, dirigido pelo genial Sam Peckinpah, estrelado por Willian Holden, Ernest Borgnine, Robert Ryan e outros atores famosos, dentre eles as metralhadoras Gatling (ou seriam Browning?), muito eficientes na arte de estraçalhar.
Peckinpah modificou o modo de contar histórias do western. Deixou o nenhenhém romântico centrado no maniqueísmo cediço - “mocinho/mocinha versus  bandido”, cujo gran finale  era o indefectível duelo entre o bem e o mal, com o mal estrebuchando na rua, defronte ao saloon.
O ousado diretor acabou com isso. Nos seus filmes morrem bandidos e mocinhos; muitas vezes nem existe a mocinha, quando ela não passa de uma simples referência. Mas a digital de Peckinpah é mesmo a brutalidade, a violência superlativa, com pedaços de carne voando e sangue esguichando dos ferimentos de bala nos massacres em profusão; quase se pode sentir a fedentina da morte por atacado. Acho que essa técnica é um repto à estupidez das sociedades humanas, corruptas, brutais e perversas, característica inamovível do mundo, passado e atual, nas cidades, nas vilas, nas selvas, nos desertos. Suponho que, na visão de Peckinpah, “Meu ódio será tua herança” seja  uma lembrança disso e uma advertência às sociedades contemporâneas, que ainda não perderam, mesmo neste estágio do mundo, o estigma ancestral da animalidade coeva do Pitecanthropus Erectus  – o elo entre o macaco antropóide e o ser humano. Afinal, a julgar pelos fatos, o mal só será vencido  – eventualmente –  na planície de Armagedon...
            No entanto, a sublimação de valores morais e até a candura são visíveis na dramaticidade do homo ferox , o ser humano feroz - na arte de Peckinpah. Ingenuidade ou hipocrisia ver na obra desse diretor somente a exaltação da violência pura e simples.
            Um grupo de vidas-tortas americanos, depois de malogrado assalto ao cofre de empresa ferroviária, foge e vai dar com os costados numa vila do México, em pleno calor da Revolução Mexicana no começo do Século XX. Os habitantes do povoado são lavradores pobres e espoliados por um general de fancaria, gordo e sujo, comandante militar da região; um bandido vulgar protegido do presidente Victoriano Huerta. Como era previsível, a certa altura o bando deixa a vila e parte para acertar contas com o “Mi General” - prevendo que aquela viagem será a última das suas vidas sórdidas e sem sentido. A propósito, esses aventureiros já não usam os velhos Colt Navy, mas pistolas automáticas - referência, segundo a crítica, à Guerra do Vietnã que então vivia a sua fase mais encarniçada (o filme é de 1969).
            Justamente quando  los gringos  montam e deixam a vila é que ocorre uma das cenas, para mim, mais belas da sétima arte. Os camponeses se juntam em alas para se despedirem e saudá-los, acenando adeuses enquanto cantam a suave  “la golondrina”, cujo compasso é marcado pela marcha dos cavalos. Lentamente eles se vão. A cantiga em voz sentida e o som dos cascos na terra dura criam a atmosfera de forte emoção que envolve aqueles homens ásperos, matadores sem eira nem beira, cuja vida foi marcada pela torpeza. Seus semblantes revelam seres, no final das contas, capazes de se emocionar. Eles se importam com o sofrimento daquele povo que, embora pobre, lhes deu do pouco que tinham e do qual eles se tornaram cativos.
            Sam Peckimpah consegue mostrar, nos vincos do rosto emocionado de cada matador que engole em seco, o sentido de honra. Eles partem sabendo que vão morrer, mas a chama da dignidade, neles tão tardiamente acesa, os torna obstinados. Vão, enfim, fazer o bem; pelo menos vão tentar. No episódio, o pano de fundo desses conflitos e emoções é a singeleza da partida. Só um grande diretor é capaz desse prodígio. Se não assistiram ao filme, façam-no. Quando mais não seja, para ter uma tênue esperança de que em Armagedon o mal poderá ser vencido, conforme Apocalipse 16, 14-16.

            É onde eu te falo...                          

terça-feira, 14 de agosto de 2012

SÃO PEDRO NA BERLINDA ?


              Paolo Gabriele (atenção, é pá-olo e não paô-lo ) mordomo de Sua Santidade Benedito XVI, está em prisão domiciliar dentro do Vaticano, onde amarga a acusação de se  apropriar de um cheque de cem mil euros e outras coisas, inclusive documentos secretos da Santa Sé. O episódio traz à memória, trinta anos depois, a saga dos “Banqueiros de Deus”, financistas que administravam criminosamente as finanças do Vaticano, através de estranha ponte entre o Estado Papal e o crime.
            Quem não acompanhou à época, pode buscar na Internet os desconchavos do economista Michele Sindona, do banqueiro Roberto Calvi, do bispo Marcinkus e outros figurões, que manobraram bilhões de dólares do Vaticano em paraísos ficais e protanizaram outras falcatruas. De permeio, as sérias suspeitas do assassinato de João Paulo I, que fazia um grande expurgo na direção das instituições financeiras da Santa Sé, nas quais prelados e seculares, todos  de conduta duvidosa, dançavam  cirandas secretas e lucrativas.     
           Entronizado João Paulo II, os tais financistas foram reconduzidos aos seus cargos, fato que culminou no escândalo do Banco Ambrosiano. Sindona foi assassinado na prisão, Calvi foi encontrado pendurado numa corda numa ponte sobre o Tâmisa (“O poderoso chefão 3”...) e Marcinkus, que usava uma pistola presa à canela e dizia que o Vaticano não era governado por ave-marias, se auto-exilou nos Estados Unidos, cheio de imunidades diplomáticas e os cambau.   
            Coincidência, estou lendo “Biografia não autorizada do Vaticano”, do espanhol Santiago Camacho, editora Planeta. Santo Deus! Com citações e referências autorais, ali estão coisas de arrepiar. São manobras de Pio XII para acoitar criminosos nazistas e proteger os croatas da organização uastashi , que, na ânsia de uma Croácia católica, trucidaram a sangue frio milhares de sérvios em 1941; e também os campos de extermínio croatas comandados por franciscanos, dentre eles os frades Miroslav Filipovic, comandante do campo de Jasenovac, onde milhões de judeus e seguidores da Igreja Ortodoxa foram trucidados, e Pedro Brzica,  que, pessoalmente, teria matado 1.350 prisioneiros, sob a supervisão do cardeal primaz Alojzije Stepinac - elevado por João Paulo II à categoria de beato.
            Além disso, as ligações vaticanas, entrelaçadas pelos mesmos "banqueiros divinos", com os capi  Gambino, Lucky Luciano, Joe Masseria, Vito Genovese & Cia; as operações de lavagem de dinheiro da máfia siciliana; o estouro dos bônus falsos no valor de 950 milhões de dólares, encomendados ao especulador austríaco Ledl pelo Cardeal Tisserant e colocados nos Estados Unidos em 1971; as trapaças sucessivas com a fortuna do poderoso IOP-Instituto de Obras Religiosas (Marcinkus e um punhado de maçons da Loja Propaganda Due,  lá, deitando e rolando); os rombos colossais nas reservas do Banco do Vaticano e muitas outras embrulhadas ficanceiras/eclesiais ... Papagaio! É de estarrecer. Se tudo isso é verdade, sei não. Melhor não saber.
           
          É onde eu te falo                      
           

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

PÍLULAS


            Por mais enfadonho que seja, o julgamento do Mensalão permanece sob os fachos da mídia. Mas, ao que tenho ouvido nas rodas forenses, a comunidade nacional não deve ter muita esperança de resultado a curto prazo, pois os famosos “pedidos de vista” antes da sentença virão, é quase certo. Ao fundamento de que certos argumentos levantados na tribuna merecem avaliação, esperam-se um ou dois pedidos de vista, feitos até por ministros que já tenham voto pronto. Geralmente, o efeito maior desses hiatos é o de atrasar a decisão final do plenário, em nome do “due process of law”, ou devido processo legal.
           
            Roberto Jefferson, abatido e defecado, ruge diatribes contra Lula. Agora  (e só agora)  ele afirma de pé junto, que o ex-presidente sabia, sim e muito bem, da maromba do Mensalão - fato que negou quando fez as denúncias do esquema de compra e venda de parlamentares. Não proponho que Lula ignorava o tal esquema nem afirmo o contrário; afinal, eu não estava lá pra ver. Mas o disse-não-disse do  Jefferson tem uma lição: denúncia pela metade é sempre temerária, já que trapalhadas dessa natureza não costumam ficar para sempre encobertas. O denunciante que não põe todas as cartas na mesa acaba, como um quixote-de-meia-tijela, encarnando o “cavaleiro da triste figura”.  

            O Brasil tenta, sem êxito, ser uma grande democracia ao estilo americano. Mas a questão é de DNA. Os Estados Unidos têm alicerce inglês, e inglês, ao que consta, é um coquetel anglo-saxônico-viking-normando, que tem a objetividade entre as suas principais características. Já o Brasil adotou, nem podia ser o contrário, o sistema legal português, excessivamente detalhista, marcado pela prolixidade e pelo nhenhenhém gosmento de marchas e contra-marchas no curso do processo mais singelo. Navegando sobre essa gosma que é o Direito Positivo Brasileiro, advogados criminalistas “deitam e rolam”, sempre descobrindo uma fresta, que alargam, por onde enfiam as suas famosas catimbas forenses. O Brasil tem duas grandes enfermidades que não constam do Código Internacional de Doenças: voto secreto e leis escorregadias. Será que isso vai mudar?

            Os jornais de hoje - como os de ontem, acusadores implacáveis ou afagadores compassivos - falam do natalício de Fidel Castro. Para eles o aniversariante não é ditador; é “comandante”. Esse título, na voz do povo, tem duas faces - uma de ordem vocabular: comandante é quem comanda e isso Castro faz desde 1959, comandando com mão de ferro uma ditadura anacrônica e vulgar; outra de ordem patológica, como já disseram por aí: Castro é um caquético comatoso, encarnação do “coma que anda”, ou “coma andante”. Acho que isso é falta de piedade com um ancião. Mas omiti-lo da lista onde têm assento perpétuo Videla, Pinochet, Mao, Assad, Kadaffi e outras pérolas, é atitude de extrema compassividade ideológica...

            É ONDE EU TE FALO....
       
      

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

PAOLA, DITONGO DECRESCENTE


“Bem, cada um se entende a seu modo” (André  Cavaleiro,  Governador   Civil de  Oliveira,  em  A  Ilustre  Casa   de  Ramires , do iluminado Eça de Queirós).
                      
Ditongo. É como se classifica a união de duas vogais que formam uma sílaba; pode ser crescente e decrescente. No ditongo decrescente há uma vogal que soa primeiro e uma, chamada semivogal, que soa depois, cujo som é atenuado, como, p. ex., em pai, boi, comprei ; como é perceptível, a vogal “i”, nestes casos, soa de forma muito branda, razão pela qual se classificada como semivogal. Já no ditongo crescente a semivogal, branda, soa primeiro e a vogal, à qual se dá ênfase na pronúncia, soa depois, como em diário e quando, onde a vogal “a” é claramente tônica e o “i” e o “u” (semivogais) têm um som acanhado. Quando, no encontro vocálico as vogais se prununciam em sílabas separadas, acontece o hiato, como em dieta  e hiato. Hoje estou gramatical. Mas, estas recordações das aulas de Português surgem a propósito de quê?
Explico. Pelas ondas de Hertz, o rádio cita um nome próprio, um nome feminino muito conhecido na Itália: Paola – correspondente à nossa Paula. Só que a cidadã, no caso, era “Paô-la”! Isso mesmo: Paô-la. 
Homessa! Onde foram arrumar essa “paô-la”, assim, ferozmente hiatizada e tão desconforme com a prosódia? Ah, não sabem! Pois eu sei. Quem ensinou os brasileiros a chamar as Paolas de Paô-las foi o galo. Não o Galo, a brava equipe da camisa branca e preta, que vive às turras esportivas com o igualmente aguerrido Cruzeiro Azul Celeste. Não. Foi um galo comum, ave galinácea, o prosaico macho da galinha, que canta nas alvoradas.
Pois é. Um galo cantou, algures, não se sabe onde. Quase sempre é assim: ouve-se o galo cantar, mas não se sabe onde. Alguém leu o nome Paola, que pode ser Paola Stefani, Paola Sforza, Paola da Rimini; ou uma católica Santa Paola, da Toscana, de Cartago, da Espanha, de Damasco, mesmo Santa Paola Frassinetti, fundadora (ver ilustração) da Congregação das Irmãs de Santa Dorotéria, não importa. Alguém leu esse nome e gostou. Gostou, mas não quis saber se essas senhoras, santas ou não, eram “Páolas” : imediatamente denominaram-nas “Paô-las”. Pronto! O trem disparou. Começou a chover paô-la pra todo lado, do Oiapoque ao Chuí. 
Disseram-me que a Corte de Windsor edita anualmente estatísticas especiais no Mad’s Train, muito respeitada publicação real, que no Brasil se chama Trem de Doido ; e a edição de 2.010  mostra que o Brasil é o maior celeiro de “paô-las” do mundo, informação chancelada pelo Guinness Book.      
Agora, vem cá. No Brasil, Washington não é Vazing-ton ; Marie não é Marí-eDa Vinci não é Davinssi nem Mary Stuart é Marí  Istuárte.  Por quê? Porque todos estão cansados de ouvir as pronúncias corretas desses nomes. Mas os que leram Paola não sabiam que Paola é nome italiano, como não sabiam que em italiano se diz páola (ditongo decrescente); leram “Paô-la” e “paô-la” ficou. Conheço Paô-las que viram onças quando alguém lhes diz que paô-la  não existe na língua italiana. E respondem, cheias de orgulho, que elas são e serão Paô-las.
            Mas, então, por que não foram registradas como Paulas (ditongo decrescente) em Português, mesmo? É no que dá essa mania de copiar nomes doutras terras sem procurar saber como se pronunciam esse nomes. Só falta (e não é muito difícil) que o autor das famosas Epístolas passe a ser São Paô-lo, já que em Italiano ele é Paolo.
Alguém dirá: Ah, mas em Portugal o Sporting, valoroso time de futebol, é Ish-portíngue! Bom, em Portugal, como no Brasil, acontecem coisas extraordinárias.   

É onde eu te falo...
          


terça-feira, 7 de agosto de 2012

O PÃO DOS EMBOABAS


          
            Pois é. A Guerra dos Emboabas ainda rende os dividendos comuns aos conflitos de sangue. Deflagrada no começo do Século XVIII, quando os paulistas tentaram se apropriar das jazidas de ouro de Minas Gerais, terminou com a derrota dos invasores na célebre escaramuça do Rio das Mortes. Passados trezentos e poucos anos, parece que os paulistas não conseguiram exorcizar os  fantasmas do ressentimento. Malogrados no sonho de ganhar o ouro mineiro, investem na apropriação das quitandas mineiras: o pão-de-queijo e a broinha de fubá de canjica; por enquanto.
            Nas publicações especializadas e na televisão é bem visível o movimento apropriador. O mineiríssimo pão-de-queijo-nosso-de-cada-dia já aparece - e não timidamente - com certidão de nascimento passada por jornalistas e culinaristas bandeirantes: ele teria nascido, segundo esses arautos, em São Paulo !!! Tanto assim, diz um escritor do metier culinário do Rio Tietê, que a primeira loja brasileira especializada em pão-de-queijo foi aberta, há muitos anos, em São Paulo... Tem até um japonês do Anhangabaú, fazendo pão-de-queijo na televisão e alardeando que se trata de uma “especialidade brasileira”; não mineira, especificamente...
            Conversa fiada. O Brasil ignorava o nosso bolinho de polvilho doce e queijo minas  curado até a entronização de Itamar Franco no governo da República. Como é notório, o Presidente Itamar se perdia por uma boa fornada de pão-de-queijo, fato que a mídia divulgou com o mesmo alarde jocoso com  que a Wall Street paulistana investiu contra o Ministério Itamariano:  ressentida com a ausência dos seus conterrâneos nas pastas ministeriais, chamaram-no de “Ministério Pífio”. Aliás, a acidez bandeirante foi superlativa quanto ao ilustre mineiro Paulo Hadad, indicado para o Ministério da Fazenda. Todos se lembram.        
            Como se lembram que a Rede Globo, num sketch  humorístico, mostrava, na fala do locutor, “o Presidente Itamar governando” - um Itamar caricato, com topete de meio metro, devorando uma bandeja de pão-de-queijo como um cachorro esfomeado, engolindo com sofreguidão e cuspindo farelos pra todo lado. Desrespeito. De todo modo, foi aí que o Brasil conheceu o pão-de-queijo.
             Insatisfeitos, os vencidos na Guerra dos Emboabas, já se apropriam também das nossas broinhas de fubá-de-canjica. Essa quitanda, preciosa com um bom café coado, dourada e cheirosa, já não é primazia mineira: agora chamam-na de... “broinha paulista” ! Quem “agüein-n-ta” ?
Parece fixação. Logrados no intento de abocanhar as pepitas douradas, partem, séculos depois, na perseguição das douradas  quitandas mineiras. Um Eldorado de forno?  
           
É onde eu te falo...       

PS - Eu já deveria, faz tempo, ter encarecido no "É onde eu te falo" a minha aversão ao tal Acordo Ortográfico que anda por aí. Não o adoto, é claro; notadamente quanto ao hífen e à acentuação gráfica. E no meu blog escrevo como quero; ou melhor, segundo as boas regras que custei a aprender. Nem as alfaias (aliás, muito pretensiosas) da Academia Brasileira de Letras que me farão endossar as respectivas louçanias.