Disseram-me que Véia Figena, mulher de belo
semblante, pouco riso e vasta comunicação com as deidades da sua teogonia
tribal, é pessoa de falas definitivas. De estirpe real, descende de sobas e
guarda o ar senhoril com que os seus ancestrais entraram no negreiro maldito que
os trouxe ao Brasil. Véia Figena fala o Nagô, que aprendeu com a mãe, que
aprendeu com a dela, que aprendeu com a dela... e assim pra trás. Por isso,
quando em sintonia com Orixás, Exus e outros seres etéreos, conversa na língua
deles.
Pois desvendamento do passado e antevisão do futuro
para a Véia Figena é coisa trivial. Ela é preciosa nesses misteres; sem contar
os aconselhamentos que dá, muito eficazes para desmanchar esparrelas e espantar
desaires. Com tais predicamentos, suponho, a velha yawô há de ter algum despacho ou mandinga para neutralizar a praga
que jogaram em mim. Ah, sim, porque só pode ser praga: eu, (imaginem!) costumado
bebedor de vinho, estou para aposentar a minha taça!
Não, não é conselho médico; nem receio de estar
desbordando dos limites aceitáveis. Também não é por cisma ou promessa jurada
em momento de apertura, mas por concluir que o vinho é um trem doido! E, é de mineiro preceito, com esses trens não se brinca.
A questão é que o vinho ficou exigente demais. Aliás,
ficou malvado. Mais que isso, se tornou perverso. Pior, virou um ditador
desvairado que me quer sujeitar aos seus desvarios. Pois não é que ele, ingrato
e sem a mais mínima consideração com um aliado fiel, resolveu me impor severa
mudança de dieta, para saboreá-lo a contento? Que demasia!
E não pensem que seria apenas uma alteração de
costume alimentar, como deixar de ser onívoro para só comer folhas; nem de
cortar o torresmo com mandioca ou abandonar os frutos do mar. Não! É coisa
muito mais radical. Eu precisaria de comer - pasmem! - precisaria de comer...
pedra! Isso mesmo, pedra, “matéria mineral dura e sólida, da natureza das
rochas”, conforme o Aurélio!
É verdade que o tirano não exige que eu mastigue
pedaços de pedra; basta que eu os coma pulverizados! Mas, ô diabo! Não tenho
equipamento de triturar pedra, nem mesmo um moedor eficiente para reduzir a pó
a uma canjiquinha de granito, gnaisse, o que seja. Depois, como engolir isso?
Muito pior, que desastre intestinal essa farofa não me causaria, da deglutição
até a... délivrance? Pois é: um
Grande Bwana do Vinho, lascou na Internet que determinado e maravilhoso vinho
tem sabor de... pó de pedra moída !!!
Cruz
credo! Esse trem, fora o insólito,
tem outro realce: o de supor que o tal
connaisseur inclui essa farinha pétrea na sua estranha dieta. É universal a
lenda infantil da “sopa de pedra”, convenhamos. Mas temperar alfaces, porco e
suflês com pedra moída, só fica bem nas ilimitadas possibilidades do “realismo
fantástico! Fez sucesso na antiga novela Saramandaia um sujeito que punha
formigas pelo nariz; nem ele chegou ao extremo de comer pó de pedra.
Ah, não. Devo parar com o vinho. Não volto a
bebê-lo até que a Véia Figena me livre dessa praga. Eu, hein, Rosa? Estou lá
para sofrer travamentos do esfíncter anal ou padecer dores tenebrosas na hora
de me livrar do bolo de pedra? Ao que a fisiologia ensina e a prática
demonstra, posso comer uma farofa bem soltinha, mas no momento da liberação a
farinha vem aglutinada... Xô!
Quá!
O meu saudoso e deveras sábio avô tinha uma advertência de proveito comprovado,
útil, até indispensável, para a boa conduta na vida: “passarinho que come pedra
sabe o c... que tem”. Portanto, e como sei o que tenho, não vou, decididamente,
comer pó de pedra para apreciar todas as nuances de gosto e aroma que um vinho
pode conter. A alternativa é largar o vinho de lado. Tô fora!
- Véia
Figena, Èleko! (*)
___________
(*) “Socorro!”
– em Nagô ou Iorubá
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