(Para Sérgio Inglês de Souza, enófilo de longo curso, que pensa antes de falar e gosta de regionalismos pitorescos)
Esses
jornalistas mal informados não se emendam; nem os respectivos editores, que não
lhes corrigem os erros escritos e falados. São profissionais da mídia que nunca
leram Humberto de Campos; a maioria nem sabe de quem se trata. Arrogantes e
orgulhosos dos seus desconhecimentos, escrevem e falam besteiras com a maior
desenvoltura; imaginam-se excelentes e supõem que o leitor é um idiota. Sem medo, nem
preocupação, avacalham o idioma soprando os trombones difusores das suas
impropriedades lingüístico-gramaticais (notem que não dispenso o trema, cuja
supressão decorre de um “acordo gramatical” que desprezo). Mas não há edição de
jornal, escrito ou falado, em que esses bocós deixem de mostrar a sua
indigência vernacular.
Hoje, numa
leitura rápida, me deparei com três pérolas jornalísticas. Uma, de ordem
culinária; duas, de ordem jurídica. Ei-las, a seguir, no mais puro caçanje
de jornalista sem tenência.
Do filé mignon se retira uma
porção grossa que vai para a grelha, onde tosta por fora e permanece bem rosada por dentro – aliás, muito ao gosto de
Gioachino Rossini, o do Barbeiro de Sevilha. A essa delícia os franceses chamam
de tournedos, que vem do verbo tourner (virar-se, girar, volver, etc.)
e do substantivo dos (costas, dorso).
Nos restaurantes de primeira linha é personagem
obrigatório no cardápio. O melhor que comi me foi servido no hoje extinto Le Bec Fin, no Leme, quando eu, mal
entrado na adolescência, estava no Rio de Janeiro. Um sonho, aquele tournedos... A propósito, em Francês se
diz “turnedô” - exatamente como o Aurélio grafa em verbete.
Pois o
famoso prato, principalmente em Belo Horizonte, virou... “tornedor" ! Mas o que
vem a ser “tornedor” ? Ninguém sabe. A desinência “dor” sugere atividade,
dedicação, especificidade, essas coisas, como do étimo caça vem caçador e de
ralo, ralador. Então, não se atina com o que possa ser esse tal tornedor, já que o étimo não existe.
Ora, se caçador é o que caça e ralador é o que rala, “tornedor” seria aquele ou
aquilo que... torne – um desatino, pois o idioma desconhece o
verbo “torner”. Nem se pense no verbo “tornar”, pois aí o bife seria “tornador”
– pior ainda. Francamente, senhores, sobre ser mostra de desconhecimento, é uma
injúria culinária, pois não?
Noutra
página do jornal, artigos assinados sobre o julgamento do Mensalão. O
signatário apregoa que o Ministro Joaquim Barbosa “pediu” a condenação de José
Dirceu! É ignorância em grau superlativo. O juiz não “pede” a condenação do
réu: condena-o. Quem pede a condenação é o acusador, no caso, o Ministério
Público.
E no
caderno de esportes alguém escreve que o Clube Tal vai “entrar com um efeito
suspensivo” contra a condenação do seu atleta pelo Tribunal Desportivo. Aí dói.
O que o clube pode fazer é requerer a suspensão temporária dos efeitos
imediatos da condenação: o Tribunal, ao receber o recurso contra a decisão
condenatória, pode, se lhe parecer adequado, imprimir a esse recurso o efeito suspensivo. Ou seja, não se
executa a decisão até o julgamento do recurso. Ah, que coisa mais difícil de
entender, hein?
A última vez que vi alguém “entrar com um
efeito suspensivo” foi na roça, lá pros lados de Santana do Garambéu. Zé
Laureano, vítima de feroz diarréia, estava naquela de (como na linguagem rude de lá) “cagar sem o cu saber”; não havia o que lhe
estancasse a vasa humilhante. O médico do posto receitou comprimidos disso;
nada. Prescreveu comprimidos daquilo; ainda nada. E o Zé, lá, se esvaindo. Já
nem se levantava da latrina; não dava tempo.
Diligente, sua mulher, Dona
Franquilina, tomou a iniciativa: “Esses remédio de farmácia é inganação. Vô
intrá c’o remédio da minha mãe.” E
preparou uma tisana forte de folhas novas de goiabeira que deitou goela do
marido abaixo. Pronto! A caganeira secou; foi suspensa. Milagre? Não. Dona
Franquilina havia “entrado” com um... efeito suspensivo.
É onde eu te falo...
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