Agora a coqueluche se chama
cozinha européia/oriental com ingredientes brasileiros. Depois que as mesas
nacionais se saturaram dos molhos carnavalescos com redução de manga e mingau
de frutas vermelhas (indefectíveis), a próxima saturação deverá levar ao ostracismo
taiobas e ora-pro-nobis, pupunha e açaí. A corrida dos Chefs é pelo “oscar” de
originalidade, mais ou menos como nos bailes do Municipal, onde os holofotes
choviam sobre Clovis Bornay e correlatos.
Há criações
geniais, sem dúvida; mas o forte são os malabarismos culinários, os delírios
improváveis, as perplexidades plásticas, tudo em porções homeopáticas
equilibradas sobre pratos enormes. A primeira impressão: o prato está vazio,
mas a porcelana foi pintada por Miró.
Aonde isso vai
chegar, não se sabe. Há muita coisa inexplorada a se cogitar. Ainda não se
pensou em dedos de frango en confiture de groseille vert com soufflé de cagaita, bofe de raposa en ragoût ao perfume de cravo-de-defunto, farofa de
sandália havaiana com serragem de angelim-gambá, tapenade de mandruvá au Grand Marnier, mijoté
de pardal fermentado com pena e tudo, fricassé de calango avec ses intestins. As possibilidades são ilimitadas para os
“chefes cinco estrelas”. Meu amigo Zé Gamela, viajor antigo e desbocado, glutão incorrigível, vai além; encontrei-o em êxtase na praça da Rodoviária, saboreando a maravilhosa paella de cordeiro do Chef
Rodrigo Zarif. Ele afirma que existe até chefe seis estrelas: “a sexta (estrela), com pisca-pisca, ele a
traz ao rabo, como se diz em Portugal”. Não sei se a informação procede.
Um dia,
passados anos, alguém vai receber as novecentas e noventa e nove estrelas do
Guide Michelin por ter assado uma galinha só com sal e pimenta, num
espeto de pau-mulato preso em forquilhas de galha sobre foguinho mole. Ou, como
na era antropozóica, servir apenas carne crua, ainda quente e sangrenta de
bicho morto a paulada, sem tempero algum, e soltar os grunhidos de prazer dos
pitecantropos. Verdadeiro retorno às origens...
No entanto,
como no modo de ser, a simplicidade é um trunfo. É em Tiradentes; domingo; os
salões dos “festins” (!!!) estão fechados e apagadas as ribaltas; os Chefs
estrelados se escafederam; resta a melancolia de todo final de festa. E cisco;
muito cisco; e copos sujos, toalhas amarrotadas, rolhas pra todo lado, guardanapos babujados. O badalado
Festival Gastronômico acabou. Sai de cena a Alta Culinária.
Então acontece o outro festival. Arranjado pelo Zé
Povo, sem patrocínios milionários, sem os rapapés do Poder Público, sem brilhos
e guirlandas. Trata-se, como os próprios organizadores a denominam, a festa da...
Baixa Culinária! Isso mesmo. O
oposto, o contraposto, o antinômico – o sumo da eterna associação dos contrários.
Pois é. Os
festeiros se unem, eles mesmos compram os leitões, as lingüiças, os frangos,
até javali e capivara. Acontece no Largo dos Malas. Armam com tijolos um tanque
enorme, enchem-no, horas antes, de carvão e madeira; e fogo, claro. À tardinha
os assados são uma apoteose de cor, aromas e sabores; dourados nos espetos,
sumarentos, as gorduras chiando nas brasas, fumacinhas suaves. Divino festival!
Quanto se paga para participar da
festa? Coisa alguma. Só se exigem sorrisos e cortesia. Basta ser amável; sem
frescura e sem preconceito. Com esse espírito, é chegar e se servir. A
cervejinha gelada se compra no Emporiu (assim mesmo, e com u). Já provou? Pelo menos, já ouviu falar do evento? Não. Pois não
provou; nem ouviu falar. A mídia não divulga.
É onde eu
te falo...
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