A lenda de
Lilith foi deliberadamente apagada da memória dos povos. Seria um mito de
origem suméria ou babilônica que, consta, figura na Cabala hebraica - tratado
que, entre um ror de simbolismos, conteria o sentido secreto da Bíblia. Conforme
a tradição, era o protótipo da mulher fatal; lindíssima, altaneira, sensual ao
extremo, envolvente, sedutora e, para maior alindamento da sua história, muito
levada. Diz-se que viva no Jardim do Éden antes de Eva e foi a primeira esposa
de Adão. Este seria meio frouxo e, como todo frouxo, um machista de quatro
costados. Ora, para um marido assim, a esposa menos indicada seria a adorável
Lilith, que era muito independente e tinha PHD na arte de fornicar, do que Adão
não era exatamente um adepto.
Daí o inevitável: Lilith
abandonou o Éden e foi viver alhures. Alguns falam que foi expulsa do Jardim
por discordar das prescrições sexuais ali vigentes: Lilith não queria ficar por baixo de Adão
durante o... ato, como previa o Regimento Interno; outros afirmam que o
espírito independente de Lilith bateu de frente com o dito regimento, que
vedava o livre-pensar. Assim e como ambas as condutas tipificassem o crime de
desobediência, ela foi expulsa. Também já ouvi que Adão, ser primitivo, só
queria emprenhar a linda consorte e cumprir preceito do verbo multiplicar,
contra o que ela reagiu, porque era muito vaidosa da própria silhueta. De todo
modo, Lilith deixou o Jardim e foi preciso construir a nova comodatária do
Éden, donde surgiu Eva, a feiosa. A saga de Eva é por demais conhecida, tanto
quanto a do povoamento do mundo.
Como nesse terreno tudo são
lendas, fico à vontade para falar de uma outra, da minha lavra: Lilith e Eva
eram usufrutuárias simultâneas do Jardim Parque Éden. Eva, moldada às pressas pelo
incorporador do Jardim, saiu mal
arrumada e fria; Lilith, primorosamente esculpida pelo gênio Paá-Vir-Ahda, adversário do incorporador, era um tantão de
mulher . Adão, obviamente, se encantou com Lilith e deu um chega-pra-lá na Eva. Justamente o que pretendia Paá-Vir-Adah, um pândego sacaneta, que adorava
molecagens e gostava de atrapalhar os planos do incorporador. Daí, justamente,
o desterro de Lilith.
Do que precede, por essa ou aquela razão, o establishment religioso teve motivo para apagar Lilith do romanceiro do Gênese, e se concentrar em Eva. Isso me lembra uma façanha
stalinista: Laurenti Béria era chefe da polícia secreta de Stalin, o celerado;
caiu em desgraça e foi executado. E para que o povo russo se esquecesse de
Béria, Stalin mandou recolher todas as enciclopédias e compêndios escolares
existentes no território e reescrevê-los... sem o verbete “Béria”. Não sei se a
comunidade soviética se esqueceu do sujeito, mas a comunidade religiosa se
esqueceu de Lilith.
No final
das contas, Parque Éden desandou em revertério: Eva comeu a maçã e deu no que
deu. Feiosa ou bela, Eva não era a songa-monga que se esperava: foi a primeira
insurgente da História e se revelou, tanto quanto Lilith, uma livre-pensadora
corajosa. Entendendo-se capaz de determinar a sua própria vida, arrostou o
Regimento Interno do Jardim e mandou tudo pras cucuias, dizendo: - Ninguém me
diz o que fazer, pombas!
Por essas e
por outras é que não vou muito com essa coisa de dogmas e peias. E encaro Eva
como heroína, a mulher que revelou ao mundo a maior atributo do ser humano, qual seja,
o de pensar livremente.
É onde eu
te falo...