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quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

“O trem tá atrasado ou já passou” (*)


Quem não ouviu cantar a Joana? Ela canta lindamente. Faz anos, ouvíamos sua cantiga que lamentava o sumiço do namorado. Abandonada, Joana, “com medo de achar que a tristeza é uma coisa normal”, concluiu: “Meu namorado é um sujeito ocupado, não manda notícias nem dá um sinal”. Pobre Joana! Abandono também padeceram Assis Valente e Carlos Galhardo, na suposição de que “todo mundo fosse filho de Papai Noel”. Lembram? “Já faz tempo que eu pedi, mas o meu não vem...”
            No sumo, as decepções de Joana, de Valente e de Galhardo, têm a mesma índole. São feitas do mesmo ingrediente básico: o abandono. Mas não vou falar aqui, por exemplo, de abandono material, abandono do lar, abandono à própria sorte, de posições, nem mesmo de abandono do gramado no último jogo do campeonato e outras modalidades “abandoneiras” que podem suscitar controvérsias legais, políticas ou esportivas - do que fujo mais depressa do que o Diabo foge da Cruz. Falo aqui do abandono das estradas-de-ferro - sempre com hífen, como gosto, independente do Acordo Ortográfico vigente.
Conto a história como a ouvi de um velho parente, coronel, já falecido. Ei-la, em itálico e entre aspas:
 “O Brasil entendeu que as ferrovias eram dispensáveis. Correu que idéia tão formosa foi cozida na cabeça de Juarez Távora, militar nordestino que tomou muito sol de verão nordestino durante suas campanhas guerreiras.
Ora, os trilhos das ferrovias, numa reta, parecem se encontrar além. Em desenho, é o tal ‘ponto de fuga’. Bem, sucedeu que um dia o General Távora, acantonado nalguma grota espinhenta, largou o fuzil e foi zanzar. Nessa “zanzação”, deu com uma ferrovia; e foi quando percebeu que os trilhos estavam unidos coisa de quilômetro e meio à frente. Eureka! Eis que o general arma um silogismo de rara suculência: “os trilhos sempre se juntam, além; quando se juntam, o trem se espatifa e mata os passageiros; logo, ferrovias são malignas!” Ato contínuo, jurou que mataria as ferrovias nacionais quando lhe dessem o Ministério da Viação, hoje dos Transportes. Cumpriu o juramento”.
Não sei se procede a versão do coronel, mas é notório: a) que o sol de verão no Nordeste é puro fogo; b) que se liga o general à morte dos trens - não dos “trens” mineiros, que são imortais, mas daqueles que andam nos trilhos.
            Falaram num trem-bala-brasileiro. Que idéia!  Não temos os trens regulares; já não temos o Vera Cruz e o Santa Cruz, os Noturnos, os Rápidos, não temos os Expressos nem os Mixtos (assim se chamavam os trens mais populares). Não temos sequer um trenzinho de bitola estreita, tirante aqueles que levam turistas abobados... e pensamos num trem-bala!  Com atraso, Dona Dilma, mais pé no chão, diz que vai gastar zilhões para reaviventar alguns ramais ferroviários comuns, destinados ao transporte de gente. Pena é gastar essa fortuna para o trem que havia, e passou. Stanislaw Ponte Preta teve uma premonição? 

(*) - Stanislaw Ponte Preta, no "Samba do Crioulo Doido"

É onde eu te falo... 

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Solta a franga e mostra o pau


 
O Brasil e os brasileiros, até por gratidão, têm o dever cívico de defender e enaltecer a Imprensa. Não faz muito tempo, a mídia vem “soltando a franga”, perdendo o medo de por a boca no trombone. Com isso fez a Nação acordar. Foi como a campainha do despertador. O povo que dormia  -  em berço não tão esplêndido, mas bem comodista  -  acordou, jogou as cobertas para o alto e gritou: - Isso mesmo! Cauterizem os podres governamentais! Abram os armazéns onde se empilha a canalhice que desconhecíamos!
E grande parte da comunidade nacional (os que tem acesso à informação) passou a devorar os jornais à cata das mazelas do dia. Entre perplexo e vexado, o povo sentiu na boca o travo da culpa de ter sido tão conivente, e tão alienado, diante da enxurrada de maroscas que se praticavam  dia e noite nos porões e salões dos Poderes da República.
Sozinha, a imprensa americana destronou Mr. Nixon. Quem pode, pode.... A mídia nacional ajudou, sim, a derrubar governos, mas não foi ela quem acendeu os estopins. Independente de cogitações sobre a prestância  dos Governos Vargas e Goulart, por exemplo, é certo que eles caíram também pela mão da mídia; mas a alavanca da queda de Getulio foi a tempestade armada por Carlos Lacerda, como a de Jango se deveu à inquietação militar, abertamente empalmada por alguns governos estaduais. A mídia só fez divulgar o que se tramava; e, não há negar, jogando algum sal nas feridas... que já encontrou abertas.
A Imprensa não existe para destruir governos. Mas, como titular da informação, não pode se limitar a superficialidades. Tem o dever de ir a fundo na podriqueira oficial. Vejam-se os Ministérios Nacionais, onde Fulano manda hoje e Sicrano amanhã. É elementar: não fosse a exposição dos malfeitos desses ministros destituídos, eles ainda estariam lá, na sua cátedra ministerial, metendo os pés pelas mãos e arrotando honestidade. Então, palmas para a Imprensa, em lugar de censura; ou de "regulações" como andam rosnando por aí. Ela já sofre as suas limitações naturais...
Só não me venham dizer que a senvergonhice  é uma novidade nas Cortes Brasileiras. Muitas falcatruas foram costuradas também nos governos anteriores, desde Deodoro. Se as havia no Império, não sabemos, porque a Imprensa ainda não cuidou desse tema. Mas as duas Repúblicas não passarão ilesas e envoltas em mantos santificados. Seja como for, antigamente as trapaças eram menores e mais espaçadas; havia mais medo e a safadeza não era endêmica. Era episódico o que hoje é institucional.
 Hoje, desde a soltura da franga, a Imprensa não é só informadora; virou uma ratoeira muito eficaz: vasculha; investiga; não fecha nariz e olhos; acende lanternas na escuridão governamental; usa lupas de alta capacidade e, ainda que a poder de fórceps, traz à tona o pus fedorento que envenena os Poderes Estatais.
Sendo assim, faço as seguintes proposições:
a) Para o seu Ministério, D. Dilma Rousseff só escolhe essas coisas; 
b) Não há outras coisas dentre as quais ela possa escolher;
c) “a” e “b” são corretas;
d) Nenhuma das proposições acima é correta.

É onde eu te falo...

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Esse “trem” promete ser danado de bão, sô!


Você conhece Gonçalves? Pois não conhece. Nem eu. Nem Andréa, minha feliz consorte. Poucos da Capital sabem dessa cidadezinha mineira, na beira da divisa paulista. Mas assistimos ao filme e lemos os folders que a divulgaram na abertura do seu 1º. Festival de Gastronomia & Cultura da Roça. Ah, que encanto! Impossível não se apaixonar.

Adriano Vieira e Braian Cadmiel
A serrania envolve o lugar com carinho maternal; estou certo; disseram-me que a Mantiqueira é mãe amorosa. Lá em baixo, junto aos sopés dos montanhas, Gonçalves. É um presépio. Um presépio serrano, com cascata, boiada, moinho, carro de boi, moda de viola. Mas, moda de viola mesmo; e tocada por violeiros que sabem tudo das primas e bordões que se entremeiam nas fieiras de cordas duplas. Não é essa fraude de cantores vestidos à texana, com botas pontudas, chapelão de “ranger” e camisa de cowboy hollywoodiano, com tirinhas de couro e apliques de metal dourado. Não, senhor. Os músicos de Gonçalves, como os seus descantes e seus acordes, são autênticos. 

Na festa de abertura reinou a canjiquinha com costela de porco. Mas fiquei sabendo que em Gonçalves a culinária mineira, além do título de mineirismo puro, tem certidão de excelência. Não, certamente, só pelos fogões de lenha e pelos fornos de barro, que isso há de sobra em toda zona rural. A questão é que os gonçalvenses sabem mesmo o que fazer nos seus fornos e nas trempes dos seus fogões. Frigir, brasear, refogar e assar, para eles são artes naturais da alquimia honesta e sábia de que resultam iguarias celestes; inclusive a doçaria e a mesa de desjejum, com café no bule, queijo fresco e curado, mais as maravilhas quitandeiras – a quitanda mineira, que enternece o paladar e faz carinhos na alma...

Marília Ribeiro - Dir de Turismo
Depois, a extrema cordialidade dos representantes que o Prefeito de Gonçalves mandou a Belo Horizonte cativou o público. Eles vieram, mestres de cerimônia, gente da cozinha, gente da mídia, artistas, como anjos anunciadores do seu primeiro Grande Festival. Mas anjos sem trombetas, que trouxeram nos seus balaios ingredientes que andam vasqueiros nestes tempos materialistas: cortesia,  dedicação e seriedade profissional banhados ao molho de sorrisos verdadeiros, mais o jeitão singelo e matreiro, só conhecido daquele que “toma de Minas a estrada”, para usar expressão de Gonzaga, o Inconfidente. 

Agora, o que me enche de alegria, e de esperança, é justamente o perfil do Festival. Nada daqueles festivais cuja finalidade real é bajular personalidades com banquetes de Versailles, assinados por chefes estrelados, que às vezes nem falam português; e quando falam, salvo raríssima exceção, não conhecem o DNA mineiro. Nada de deslumbramentos e hotelaria cara. Ranço de frescura, culto ao ego e arrogância entojada no Festival de Gonçalves? Nem vê! Do que estou informado, este será um festival verdadeiramente rural; rural até à medula. Cada cozinheiro local apresentará sua visão particular do que é culinária da roça e servirá suas especialidades na praça central, aberta ao público. Não haverá, como acontece por aí, essa coisa esquisita dos eventos esnobes de degustação exclusiva, para regalo só de figurão e enfant gâté. Vai ser um “trem da roça”, mesmo.  E, acima de tudo, mineiro!

Aplausos para a Administração de Gonçalves. Tomara que a intenção mineiramente sadia dos promotores do Festival seja a água benta que pode exorcizar o fantasma desses festivais enfeitados, vazios e bobos, que assolam as Gerais. A festa rural de Gonçalves acontecerá de 7 a 16 de Outubro próximo. Pretendo estar lá; com Andréa, evidentemente.

Relembrando Gonzaga, acho que “tomar de Minas a estrada” é bordejar a Serra e pousar na suavidade roceira de Gonçalves. É ir lá pra ver.

Quer saber mais? Acesse o blog - http://gastronomiagoncalves.blogspot.com/

É onde eu te falo...  

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Gente, óia nóis aqui!


Pois é. Presidente da República vem a Belo Horizonte. A autoridade visitante e a autoridade anfitriã não sabem disso, e talvez nem liguem ao saber, mas são amaldiçoadas milhões de vezes. Por quê?

Porque a cidade vira um merdeiro só. Engarrafamentos quilométricos, brigas em profusão, vida infernizada, prejuízos, compromissos descumpridos, adrenalina aos baldes e outros vitupérios são o primeiro resultado dessas visitas, que bem poderiam ser feitas sem o alarde entojado que cerca esses eventos.

A questão é: por que o governador tem que receber a autoridade federal no Palácio da Liberdade, no coração da cidade? Pombas! Ele tem o Palácio das Mangabeiras, um lugar inexpugnável; tem a Cidade Administrativa que o outro deu na sapituca de construir lá nos confins; tem à sua disposição brigadas de guardiões armados; e tem helicópteros à vontade para transitar pelos ares, sem transformar a vida da Capital num flagelo.

Mas, não. Parece que um e outro precisam do “saibam todos”: “Gente, eu vim falar com os mineiros! Gente, o Governo Federal veio me ver!”

Ora, façam-me o favor, senhores! Que coisa mais infantil e desnecessária, que antipatia! Um pouco de discrição e de tenência faz bem a todos os mortais. Ou eles acham que não o são? De todo modo, é bom precatar. Os antigos dizem que é bom não facilitar: maldição por atacado é um caso sério.

Depois o sujeito pega um trem bravo aí, e não sabe por quê. Não, né?

É onde eu te falo...

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Ah, se o relógio voltasse....


Rua da Bahia. Defronte o antigo Clube Belo Horizonte, esquina com Rua Guajajaras.

Ah, quanta saudade! E com justa razão, aliás. Havia na cidade restaurante que, ao menos, se igualasse ao Albamar? Pois não havia. Aquilo era um paraíso gastronômico, ao tempo em que a gastronomia era uma coisa mais séria. Isso, pelo geral; há exceções, claro.

Existisse ainda hoje, uns dois, no máximo, chegariam à sua estatura de cozinha celeste. Nestes tempos de hoje os pratos, com seus enfeites de mil cores lembram telas de Miró; e o que chamaríamos de “arte final” é uma composição ao estilo rococó superlativo-espichado, onde os enfeites gritam alardes num equilíbrio improvável.

No Albamar, não. Antônio Faleiro era um restaurater de formosas pretensões. Ali, nada de ficções, nenhum artifício mágico. Nem o Chefe não ligava para essas prestidigitações ornamentais. Os pratos tinham cores, sim, e belas; mas não eram como as fantasias da Marquês de Sapucaí, que concorrem com o arco-íris. Depois, o que vinha nos pratos - sempre apresentados  sob um cloche elegante e servidos com sobra de classe - eram, realmente, complementos naturais da pièce de résistence. Nada de riscos, rendinhas e mosaicos desenhados com molhos reduzidos à exaustão, cujo sabor tanto pode lembrar jabuticaba quanto chocolate amargo, ou borra de café. À época não se falava em decoração, mas em guarnição. Acho que dá para entender, né?

Enfim, os tempos mudam: “nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia”, cantam por aí. Mas, sem nenhum saudosismo enfermiço, os aromas e os sabores do Albamar, nem sempre os vejo repetidos. É pena.

Depois, os garçons eram preciosos. José Albino, Joãozinho, José Pedro... que profissionais! Como sabiam indicar o melhor peixe, sugerir o polvo mais saboroso, as lulas, os filés, as aves, os cremes... Ah, sabiam até indicar o vinho corretamente adequado, quase sempre um verde, porque na adega reinavam, sem contestação e enxovalho, os maravilhosos verdinhos de Portugal - com bolhas e agulhas, hoje igualmente perdidas, espero que não para sempre.

Pois é. Quem teve o privilégio de saborear a garoupa ou o namorado, o verdadeiro filé à Rossini (com fígado de ganso), o polvo ao vinagrete ou só com batatinhas e arroz de frutas secas, as lulas recheadas ou apenas grelhadas no braseiro, a..., o... Ora, o que mais dizer? Daquela cozinha só saíam perfeições. O segredo? Não sei; acho que havia muitos segredos. Mas um deles foi revelado a todo habitué: ausência de fricotes, zelo elevado às alturas e toneladas de savoir faire. Por sorte existem as exceções, os pratos dos Chefes que não entram na “mesmice novidadeira”. Aplausos. 

Hoje caprichei no Francês; homenagem ao saudoso Antônio Faleiro. E o que esperavam num texto retroativo à velha comida dos Deuses?

É onde eu te falo...

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

E vai rolar a festa... Novamente


Muhamar Kadafi foi pro sa..., ou melhor, foi pro espaço. E já foi tarde. Quando se entronizou no governo da Líbia, há séculos, era um prisma; tinha três faces, a saber: numa, era o dodói da mídia, porque dava solenes bananas para o Tio Sam; na outra, era a causa das endechas de quarentona mal amadas, que o achavam charmoso; na terceira, era o ditador vulgar, porque é esse, necessariamente, o perfil de quem toma o poder pela força e por ela se mete a governar.

Estou sabendo que, como o coronel sumiu e não se sabe o rumo que as coisas tomarão, os jornais já têm engatilhadas três manchetes: “KADAFI  ENCONTRADO COM A BOCA CHEIA DE FORMIGA”; “DITADOR LÍBIO SE PASSAVA POR CAMELO”; “CORONEL KADAFI TEM HOSPEDAGEM CINCO ESTRELAS EM CARACAS”.   

Para mostrar que as coisas aparentes no mais das vezes não dizem a verdade, agora se sabe que: a) Kadaffi "era assim c’os home" da CIA; b) o charme que lhe creditavam secou nas gretas de um rosto chupado; c) da basófia tipo “eu prendo e arrebento” sobraram flatos. O Coronel é somente um trapo. 

Tem gente que não acredita, mas, de esquerda ou de direita, descaradas ou mascaradas, as ditaduras não são como os diamantes. Diamantes, afirmava Mr. 007-Bond, são eternos. Ditadores têm o destino do alimento que se consome hoje: amanhã são apenas... cocô.

Quando abro os jornais, minha primeira visita é ao noticiário internacional. Sempre há um ditador em via de estrebuchar. Inda ontem me lembrei de um tal Ceausescu (acho que era isso),  esganado diante das câmeras de TV. O Muro de Berlim acabou em areia; Pinochet, numa cadeira de rodas, virou um mar de baba pingando na gravata mal colocada. Videla, confinado numa Spandau argentina, se morreu não faz falta; Castro anda muito parecido com a múmia de Ramsés II e não apita nem pelada de bola de meia.

O mal é que a dança das ditaduras não muda: a de esquerda é substituída por uma de direita, que se substitui por outra de esquerda, que dá lugar a uma de direita, que... E continua o baile. Basta olhar a História. É só uma questão de tempo. Ditadura é apenas dita; não dura. Por isso é que o Prisma Kadafi tomou o formato de uma grande bolacha mole; como aquelas que as vacas deixam nas suas passadas.

É onde eu te falo...