Poucos já
viram dançar o lundu; muitos sequer ouviram falar desse bailado primitivo e
empoeirado – já que foi trazido da África e, portanto, era
dançado pelos escravos nos eirados de terra nua. A coreografia original, é claro, foi
modificada através dos tempos, até porque só mesmo os negros daquela época,
curtidos no eito e dotados da elasticidade que dá a constante atividade física,
eram capazes de executá-la – inclusive como derivativo, como meio de anestesiar
a mente e abrandar as misérias de prisioneiro escravizado. Jamais conheceremos
o verdadeiro lundu. Eu já assisti a um que era razoavelmente "africano" mas,
suponho, já derrancado, cheio das invencionices de novidadeiros tolos.
Nascido
entre as paliçadas das aldeias, dançado sob os olhares severos de sobas e
feiticeiros, o lundu chegou ao Brasil pelo traficante maldito que nas savanas
africanas apresava mão de obra para a Colônia. Era, pois, dança de gente dotada
de grande agilidade, com o traquejo atávico na arte/ciência de sobreviver por
séculos sobre séculos em ambiente rude e hostil, onde cada palmo de chão era
disputado com bichos ferozes, entre toda
sorte de perigos. Daí as características das danças com certidão de registro lavrada
na África, cheias de improvisos, de surpresas, volteios e negaças. Assim,
o lundu nunca foi, nem seria, dança de
sinhozinho e sinhazinha, reinóis molengas e empenados.
Nada
obstante, e certamente pelo fascínio que despertou, o lundu foi assimilado (mal)
por brancos, como se pode ver nos desenhos de Rugendas e Debret. E desse desastre
resultou a desfiguração do fogoso bailado. O Lundu de hoje, onde ele raramente acontece,
é apenas uma deformação tosca, no qual se sucedem pulos desconjuntados e rodopios sem
graça.
Pensar
nisso lembra-me o Zé do Sarney, aquele do bigode. Faz anos, quando ele
governava, e eu escrevia para o extinto “Diário da Tarde”, veio a lume a
portentosa obra poética do maranhense. Ah, maior que Bilac, superior a Neruda,
faria corar de vergonha Ruben Dario, mesmo Calderòn, até Camões. Que verve! Que
facúndia! Os “Marimbondos de Fogo” de
Sarney incendiaram o Planeta. E as mentes da Academia, que, reduzidas a cinza
estéril, acolheram-no sem ao menos se perguntar a razão disso. E até hoje ele
veste o fardão de bordaduras militares e sinhaninhas rococó; sem contar o
chapéu tipo canoa, estilo Caxias, ornado de plumas brancas – que
ficava muito bem no ilustre Luiz Alves de Lima e Silva mas, a todos
os títulos, desgracioso no poeta.
Então
escrevi no dito jornal que os marimbondos de Sarney eram perigosíssimos: caíam em voo picado no rabo dos literatos, e só lá,
resultando que esses letrados, no
desatino doloroso que lhes causava o fogo dos ditos vespídeos, desgovernavam e
se punham a cabriolar como mamulengos – como num
lundu mal dançado. Fui severamente admoestado, mas nunca houve (tirante os da
Academia) quem fizesse um só elogio, mesmo uma referência aguada, aos poemas em
apreço...
É onde eu
te falo...
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