Depois dos aguaceiros de veranico chegam “as águas de março fechando o verão”, como disse Jobim (o maestro, não o outro). Chuvas são muito evocativas, inclusive de livros e filmes.
As Chuvas de Ranchipur, do americano Louis Bromfield, li-o ainda no
ginásio; belo
romance de 1937. Quase vinte anos depois foi adaptado para o
cinema, que ainda não contraíra a diarréia compulsiva dos malditos “efeitos
especiais” - tecnologia avançada que Hollywood
usa como estupefaciente de um público abobalhado e pouco exigente. No filme,
esses “efeitos” (que não são uma coisa nova, como muitos pensam) encantam;
principalmente quando o aguaceiro afoga a cidade, leva casas no roldão e
espatifa gentes, bichos e vegetação.
Lana Turner, milionária americana
(obviamente) e Michael Rennie, lorde inglês decadente, vivem um casamento
falido. Lana é fútil, egoísta e passa a vida gastando dólares enquanto planta
chifres descomunais na cabeça do lorde. Em Ranchipur, onde o casal pretende
comprar um cavalo (!), ela se apaixona holywoodianamente pelo médico hindu
Richard Burton, mané que lhe corresponde ao amor, extasiado com a louraça que
lhe dá o maior mole. Ao fim, quando Ranchipur é um monte de escombros, o lorde
quer partir; a milionária quer ficar - com o médico. Mas a Maarâni, mulher forte que governa a região, expulsa Lana, fingindo
detestá-la; sabe que semelhante idílio é um erro, dado o abismo de diferenças
pessoais e culturais que se antepõem entre a milionária e o médico: a americana
acabaria regressando ao seu mundo e o hindu, mané chupando dedo, viraria um
farrapo e desistiria da clínica médica, mais que nunca necessária aos
flagelados locais. Aí, tchan-tchan-tchan... The end.
Ranchipur é
terra mineira. Águas torrenciais e doidos vendavais (que inspirado estou hoje!)
deixaram o Estado em petição de miséria. Cidades inteiras viraram bagaços,
esperando as verbas de Brasília que depois de cada desastre anual são
prometidas e não chegam. Mas entendo esse nenhenhém: Pernambuco (terra do então
ministrinho-das-chuvas) é lugar
desacostumado das Chuvas de Ranchipur, de modo que ele, encarregado de espalhar
as verbas de socorro, ficou meio perdido e errou nas contas, deixando de lado
os outros estados. É natural...
O que não é
natural, acho, é a D. Dilma não ter controle sobre a espalhação das verbas de
contingência, logo ela, tão expedita e cuidadosa. Menos natural ainda (e
estarrecedor) foi a preservação afagante do seu ministro espalhador de verbas
que, não sabendo conjugar o verbo espalhar,
conjugou o verbo, antônimo, concentrar.
Há pontos
de convergência entre as chuvas mineras e as de Ranchipur; como há
divergências. No filme, a Maarâni protege o Mané e o povo flagelado; Lana
Turner, gastadeira desvairada, é expulsa. Na vida real, a Maarâni protege a
gastadeira Lana Turner, ao invés de expulsá-la e nem liga para o mané
flagelado. Pois é. Nem sempre a arte copia a vida...
É onde eu te falo...
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