Quem não ouviu cantar a Joana? Ela canta
lindamente. Faz anos, ouvíamos sua cantiga que lamentava o sumiço do namorado.
Abandonada, Joana, “com medo de achar que a tristeza é uma coisa normal”,
concluiu: “Meu namorado é um sujeito ocupado, não manda notícias nem dá um
sinal”. Pobre Joana! Abandono também padeceram Assis Valente e Carlos Galhardo,
na suposição de que “todo mundo fosse filho de Papai Noel”. Lembram? “Já faz
tempo que eu pedi, mas o meu não vem...”
No sumo, as decepções de Joana, de Valente e de Galhardo, têm a mesma índole.
São feitas do mesmo ingrediente básico: o abandono. Mas não vou falar aqui, por
exemplo, de abandono material, abandono do lar, abandono à própria sorte, de
posições, nem mesmo de abandono do gramado no último jogo do campeonato e
outras modalidades “abandoneiras” que podem suscitar controvérsias legais,
políticas ou esportivas - do que fujo mais depressa do que o Diabo foge da
Cruz. Falo aqui do abandono das estradas-de-ferro - sempre com hífen, como
gosto, independente do Acordo Ortográfico vigente.
Conto a história como a ouvi de um velho parente,
coronel, já falecido. Ei-la, em itálico e entre aspas:
“O Brasil
entendeu que as ferrovias eram dispensáveis. Correu que idéia tão formosa foi
cozida na cabeça de Juarez Távora, militar nordestino que tomou muito sol de
verão nordestino durante suas campanhas guerreiras.
Ora, os trilhos das ferrovias, numa reta, parecem
se encontrar além. Em desenho, é o tal ‘ponto de fuga’. Bem, sucedeu que um dia
o General Távora, acantonado nalguma grota espinhenta, largou o fuzil e foi
zanzar. Nessa “zanzação”, deu com uma ferrovia; e foi quando percebeu que os trilhos
estavam unidos coisa de quilômetro e meio à frente. Eureka! Eis que o general
arma um silogismo de rara suculência: “os trilhos sempre se juntam, além;
quando se juntam, o trem se espatifa e mata os passageiros; logo, ferrovias são
malignas!” Ato contínuo, jurou que mataria as ferrovias nacionais quando lhe
dessem o Ministério da Viação, hoje dos Transportes. Cumpriu o juramento”.
Não sei se procede a versão do coronel, mas é
notório: a) que o sol de verão no Nordeste é puro fogo; b) que se liga o
general à morte dos trens - não dos “trens” mineiros, que são imortais, mas
daqueles que andam nos trilhos.
Falaram num trem-bala-brasileiro. Que idéia! Não temos os trens
regulares; já não temos o Vera Cruz e o Santa Cruz, os Noturnos, os Rápidos,
não temos os Expressos nem os Mixtos (assim se chamavam os trens mais
populares). Não temos sequer um trenzinho de bitola estreita, tirante aqueles
que levam turistas abobados... e pensamos num trem-bala! Com atraso, Dona
Dilma, mais pé no chão, diz que vai gastar zilhões para reaviventar alguns
ramais ferroviários comuns, destinados ao transporte de gente. Pena é
gastar essa fortuna para o trem que havia, e passou. Stanislaw Ponte Preta teve
uma premonição?
(*) - Stanislaw
Ponte Preta, no "Samba do Crioulo Doido"
É onde eu te falo...